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Quando os pais se atrasam para buscar os filhos: e o Direito com isso?


Por Felipe Faoro Bertoni


O Direito costuma vir à reboque da sociedade. Geralmente a sociedade se modifica e estabelece novos padrões de conduta e de comportamento para, somente após, a legislação se debruçar e abraçar adequadamente o tema. Por outro lado, são muito comuns tentativas de alterar a realidade social por meio de alterações no mundo jurídico.

Antes de mais nada, é necessário ter em conta que os seres humanos reagem com base em incentivos. E, se, por um lado, pode-se tentar prever como os seres humanos reagiriam a esses incentivos; por outro, a conduta humana é um fator de alta imprevisibilidade.

Efetivamente, o experimento de apresentar a diversos seres humanos o mesmo incentivo pode revelar as mais variadas reações. Não é raro que, no âmbito do Direito, circunstâncias fáticas idênticas, submetidas à apreciação tutelada pelo mesmo ordenamento jurídico, gerem resultados flagrante e frontalmente distintos. Daí decorre a insegurança jurídica. Por mais que se tente objetivizar a equação, o resultado final é sempre uma incógnita, impassível de previsão.

De qualquer forma, mesmo que seja dificultosa a tarefa de prever o impacto de uma lei no ordenamento jurídico, é dever dos membros do Poder Legislativo, ao propor um projeto, realizar uma espécie de estudo de impacto político-social, a fim de (pelo menos) tentar identificar o impacto de uma alteração legislativa na sociedade.

Nem sempre uma boa intenção é suficiente para operar uma alteração social adequada. Ao revés, às vezes uma medida incauta pode causar efeitos deletérios no corpo da sociedade.

A título ilustrativo, sobre a possibilidade de se causar um mal pensando em fazer o bem, transcrevo trecho de acontecimento relatado na obra Freakonomics (DUBNER; LEVITT, 2005, p. 17-21):

Imagine-se por um momento como administrador de uma creche. Sua política claramente assumida é a de que as crianças devem ser apanhadas às 16h. No entanto, com frequência os pais se atrasam. O resultado é que no final do dia você precisa lidar com algumas crianças ansiosas e, no mínimo, um professor, que é forçado a esperar que os pais apareçam. O que fazer?

Uma dupla de economistas cientes desse dilema – que se revelou, aliás, bastante comum – apresentou uma solução: multar os pais atrasados. Afinal de contas, por que teria a creche de cuidar dessas crianças gratuitamente?

Os economistas decidiram testar sua solução elaborando um estudo de 10 creches situadas em Haifa Israel. O estudo levou 20 semanas, mas a multa não foi introduzida de imediato. Durante as primeiras quatro semanas, os economistas simplesmente calcularam o número de país que se atrasavam. Em média, ocorriam oito atrasos por semana em cada uma das creches. Na quinta semana, a multa foi introduzida. Avisou-se aos país que qualquer atraso superior a 10 minutos seria punido com pagamento de $3 por criança e a multa adicionada à mensalidade, em torno de $380.

Depois da adoção da multa, o número de atrasos, logo, … aumentou, Em pouco tempo já somavam 20 por semana, mais que o dobro da média original. O tiro saíra pela culatra.

(…)

Então, o que havia de errado com o incentivo das creches de Israel?

Você provavelmente já concluiu que a multa de $3 era simplesmente pequena demais. A esse custo, um pai ou mãe de um só filho podia se dar ao luxo de se atrasar diariamente pagando apenas $60 extras todo mês – um sexto da mensalidade básica. Considerando-se o salário de uma babá, esse preço é bem barato. E se a multa fosse $100 em lugar de $3? Certamente teriam fim os atrasos, embora isso também fosse gerar um bocado de má vontade (todo incentivo é inerentemente uma compensação; o segredo é equilibrar os extremos).

A multa da creche envolvia ainda um outro problema: substituía com um incentivo econômico (os $3) o incentivo moral (a suposta culpa dos pais quando se atrasavam). Por apenas alguns dólares diários, os pais podiam se isentar dessa culpa. Além disso, o baixo valor da multa sugeria aos pais que o atraso para buscar as crianças não era algo tão grave assim. Se o problema resultado para a creche do atraso dos pais equivalia a apenas $3, para que se preocupar em interromper a partida de tênis? Com efeito, quando os economistas suspenderam a multa de $3 na semana do estudo, o número de pais atrasados não se alterou. Agora, eles podiam se atrasar, não pagar multa nem sentir culpa.

Essa é a estranha e poderosa natureza dos incentivos. Uma mínima guinada pode produzir resultados drásticas e muitas vezes imprevisíveis.

Essa experiência nos demonstra que muito da sabedoria convencional não é assim… tão sábia. Esse exemplo deve servir para colocar em xeque aquelas ideias corriqueiras que nos assomam no sentido, por exemplo, de que estaríamos diminuindo a criminalidade com a pura e simples criminalização de algumas condutas. Pode ser que isso ocorra. Pode ser que não.

A Lei Seca norte-americana (volstead act) é um claro exemplo de tiro que saiu pela culatra. Com o afã de exterminar o consumo de bebidas alcoólicas, a proibição norte-americana originou uma nova geração de criminosos extremamente violentos e organizados, vinculados ao comércio ilegal de bebidas. Posteriormente, esse grupo desenvolveu atuação em diversas outras atividades ilícitas, tais como lavagem de capitais, tráfico de drogas, dentre outros, alçando a Máfia à fama internacional.

Enfim, o significativo do evento historiado é que os problemas sociais não são tão simples como parecem e, consequentemente, suas soluções também não são simples. Pelo contrário, uma problema complexo somente pode exigir uma solução complexa.

É preciso encarar os fatos com seriedade e cientificidade para que não caíamos na tentação etérea de tentar tapar o sol com uma peneira ou, pior, tentar apagar o fogo com gasolina.

Por isso, aliás, que o Direito precisa ter uma velocidade menos intensa do que a sociedade, que hoje é hiper acelerada. Todo e qualquer passo do Direito deve ser devida e adequadamente estudado e pensado, sob pena de esse passo significar o início de uma caminhada em direção ao retrocesso.


REFERÊNCIAS

DUBNER, Stephen; LEVITT, Steven. Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

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Felipe Faoro Bertoni

Advogado (RS) e Professor

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