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Sobreviventes do Massacre do Carandiru lembram conversa entre PMs: ‘Vamos ver quem mata mais’

Neste domingo, dia 2 de outubro, o massacre de Carandiru, em São Paulo, completa 30 anos, e sem as prisões dos policiais militares condenados pelos assassinatos dos detentos. Além disso, ainda não houve um desfecho do caso na Justiça, já que as defesas dos agentes pedem a redução das penas.

Existe a possibilidade de que o caso se arraste por pelo menos mais cinco anos, até que todos os recursos sejam julgados.

Três homens que passaram anos entre os pavilhões prestaram entrevistas ao G1, relatando como foi presenciar o massacre.

Dois deles voltaram ao Espaço Memória Carandiru, que guarda imagens, objetos e reproduz celas no prédio do antigo Pavilhão 4. A maior parte do complexo foi implodida em 2002. Desde então há um parque no local.

Ex-detento Maurício Monteiro relata os acontecimentos

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Maurício Monteiro. Imagem: G1

Com uma medalha de São Jorge no peito e vestindo uma camiseta com a estampa dos presos reunidos no pátio do Carandiru após a invasão da PM, Maurício Monteiro caminhou pelo chão do antigo prédio e relembrou o dia 2 de outubro de 1992, no Pavilhão 9.

“No dia do massacre, foi um dia normal. Não estava acontecendo nada. Simplesmente foi falado que nós não iríamos entrar para a tranca [cela], porque nós não sabemos nem o que estava acontecendo, porque os rapazes que tiveram a confusão, nem no pavilhão eles estavam mais”.

Momentos antes, houve uma briga entre os presos. Os motivos não estão claros nos autos do processo, segundo o Ministério Público (MP). A confusão entre os dois ganhou dimensões maiores.

“Na hora que eu vi os policiais da Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da PM] entrando eu já falei: ‘vou morrer’. Por conta de ser um preto, grande. Eles [policiais] vieram matando. Nem todos os policiais estavam para matar, porque eu e muitos dentro da minha cela fomos salvos por um policial”.

“Não tinha onde se esconder, e eu fiquei atrás de um lençol. O policial veio, puxou o lençol com a arma, pôs o revólver na minha cara, engatilhou e entrou um tenente. Falou assim: ‘aqui não’. Esse tenente salvou minha vida”.

Depois de quase meia hora de tumulto, os policiais fizeram um corredor para que todos fossem para fora, de cueca ou sem roupa. Os detentos foram agredidos enquanto passavam pelo local. Essa prática é conhecida como “corredor polonês”.

“Nessa descida vi muitos caras sendo mortos, cachorro arrancando o órgão sexual”.

Luiz Carlos Paulino diz que policiais combinaram “vamos ver quem mata mais entre nós?”

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Luiz Carlos Paulino. Imagem: G1

Luiz Carlos Paulino, de 55 anos, falou sobre a tragédia e o complexo, ao qual ingressou em 29 de março de 1986.

Paulino estava jogando uma pelada quando soube de uma briga no segundo andar, e todos os funcionários passaram a recolher os detentos, segundo ele.

“Começou aproximadamente 6 horas da tarde e terminou às 6 horas da manhã. Naquele momento, eu me encontrava morando no quinto andar”.

“Na minha cela, ninguém veio a perder a vida, mas passamos por momentos traumáticos que, até hoje, sobrevém ao nosso psicológico. Essa lembrança, que deixou uma cicatriz na alma. Ouvimos disparos de metralhadoras, ações dos próprios policiais pegando os estiletes dos egressos e matando à estiletada os presos que estavam sob a tutela do Estado”.

Segundo ele, a multidão de policiais chegou a combinar as mortes: “eles falaram: ‘vamos ver quem mata mais entre nós?’. Escutei isso. Aí eles matavam, davam um tiro para tudo quanto é lado”.

As investigações apontaram que 330 policiais militares participaram da incursão com 25 cavalos e 13 cachorros. A perícia identificou que os presos foram atingidos por 126 tiros nas cabeças.

“Pegavam mais negros e pessoas que tinham tatuagem de caveira e matavam, encostava na parede e matavam. Tinham pessoas que, com medo, estavam debaixo da cama, outras no banheiro, dentro da coberta. E os policiais, eles colocavam as metralhadoras e rajavam”.

Sidney Sales viu detento ser morto ao seu lado

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Sidney Sales. Imagem: G1

Atualmente pastor e fundador de um centro terapêutico educacional no interior de São Paulo, Sidney Sales, de 53 anos, identifica o episódio como “carnificina”.

À época, ele havia sido preso por assalto e estava no Pavilhão 9. Sales afirma que, no dia, estava sendo realizada uma partida de fim de campeonato. Lembra de ter feito um gol e, já dentro do prédio, comemorando o título, deparou-se com o início da confusão, seguida de colchões queimados, gritaria e explosão de gás de cozinha.

“De repente, sobe um indivíduo dizendo que os policiais estavam invadindo e matando as pessoas. Quando liguei o canal de televisão, eu já vi logo a cavalaria. Subo na janela e, quando eu olho para baixo, vejo realmente os policiais assassinando as pessoas no pátio e no campo”.

Em meio ao caos da tropa que se aproximava, o ex-detento lembra que pegou uma carta escrita pela mãe com o Salmo 91. Naquele momento, segundo ele, ao menos 15 pessoas estavam ajoelhadas.

“Comecei a recitar aquela carta no Salmo 91. Neste momento, o policial chutou a porta, entrou com uma metralhadora engatilhada. Outro policial, com uma calibre 12 de repetição, pedindo que nós todos tirássemos as roupas, saíssemos todos nus para fora. Do lado de um companheiro, uma bala havia ricocheteado e pegado a sua nuca. Ele havia morrido do meu lado e sem dar um gemido.”

Em setembro de 2002 os últimos detentos deixaram o Carandiru e foram transferidos para unidades do interior do estado de São Paulo. O complexo penitenciário foi desativado e em seguida, demolido.

Fonte: G1

Daniele Kopp

Daniele Kopp é formada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela mesma Universidade. Seu interesse e gosto pelo Direito Criminal vem desde o ingresso no curso de Direito. Por essa razão se especializou na área, através da Pós-Graduação e pesquisas na área das condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Sistema Carcerário Brasileiro, frente aos Direitos Humanos dos condenados. Atua como servidora na Defensoria Pública do RS.

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