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Ainda sobre a Deep Web: o lado positivo da rede

Por Bernardo de Azevedo e Souza

Em fevereiro de 2014, um grupo de jovens estudantes realizou uma inédita pesquisa no campus do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Por meio da elaboração um questionário, contendo três perguntas objetivas[1], os pesquisadores entrevistaram 150 pessoas em ambiente acadêmico, buscando verificar se os estudantes possuíam conhecimento sobre a Deep Web. As conclusões verificadas após o término do levantamento foram posteriormente publicadas nos Anais do III Encontro Regional de Computação e Sistemas de Informação (ENCOSIS), em Manaus (AM), contribuindo para uma melhor compreensão da rede profunda.

Da análise dos dados coletados, foi possível observar que a maioria dos estudantes entrevistados (69%) não sabia do que se tratava a Deep Web. Indagados se conheciam ou já tinham ouvido falar sobre ela, apenas 31% respondeu afirmativamente. Na oportunidade em que questionados se já haviam navegado no subterrâneo, 89% dos estudantes declarou não tê-lo feito, ao passo que 11% afirmou já ter, ao menos uma vez, acessado. Por derradeiro, quando interrogados se sabiam qual a espécie de conteúdo existente na Deep Web, a maioria (68%) afirmou não ter conhecimento. Do restante, 20% respondeu que no subterrâneo há conteúdos ilegais e apenas 12% reconheceu que na nela existem materiais úteis. Os gráficos a seguir sintetizam as respostas fornecidas pelos estudantes:

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O levantamento realizado no âmbito do IFCE possibilitou algumas conclusões. Dentro do universo da pesquisa foi possível perceber, inicialmente, haver uma baixa divulgação da Deep Web. Mesmo estudantes da área da tecnologia da informação demonstraram desconhecer este ambiente, indicando haver uma escassez de dados e informações sobre a existência, operacionalidade e funcionamento da rede. A pesquisa constatou também que a Deep Web é pouco acessada mesmo por aqueles que sabem de sua existência. Da pequena parcela de entrevistados que conhecia a rede profunda (31%), apenas 11% havia navegado por ela. Com isso, constatou-se que 20% dos estudantes conhecia a Deep Web, mas por alguma razão não a acessava. Ainda que não capitulados em gráficos, os motivos apresentados pelos entrevistados para não acessar a rede foram essencialmente dois: o receio de se deparar com conteúdos inaproriados e/ou ilícitos e o mero desconhecimento de como entrar na rede. Finalmente, o levantamento identificou que a Deep Web possui a “má fama”. Isso porque, dos poucos entrevistados que já tinham ouvido falar desta rede, a maioria (20%) apontou que nela existiam somente conteúdos ilegais. Uma parcela ínfima dos estudantes (apenas 12%) reconheceu que na Deep Web são disponibilizados materiais úteis.

Muito embora a pesquisa tenha sido realizada em ambiente acadêmico, num universo reduzido de estudantes (150), as conclusões (parciais e experimentais) obtidas assumem especial relevância para fins da coluna de hoje, sobretudo porque passíveis de ser constatadas por todo e qualquer internauta. O leitor que pesquisar sobre o termo “Deep Web” no Google, por exemplo, encontrará aproximadamente 219.000.000 resultados[2]. Deste número, uma parcela significativa retrata um aspecto absolutamente negativo deste ambiente. Uma rápida navegação do usuário pelas diversas páginas existentes no referido mecanismo de busca poderá, com facilidade, assim demonstrar.

Para além dos resultados apresentados, aquele que inserir a expressão “Deep Web” no Google Imagens perceberá que a concepção obscura da rede estará ainda mais acentuada. Neste âmbito, o internauta encontrará inúmeras fotos daquilo que se convencionou denominar terror psicológico. Contudo, embora consistam em imagens que possam trazer certo desconforto para quem as visualiza, são, em sua maioria, criações (montagens), confeccionadas tanto por artistas de efeitos especiais[3], buscando até mesmo espaço no mercado cinematográfico (pôsteres promocionais de filmes de horror, por exemplo), quanto pelos próprios usuários da Deep Web, com o intuito de sinalizar aos usuários (não desejados) que este seria o único tipo de conteúdo lá encontrado.

Por meios destas disposições, portanto, a Surface Web acaba fomentando a concepção de que na Deep Web somente existem materiais inapropriados e ilegais. Todavia, ainda que este conjunto de informações de fato possam lá ser encontrados (como apontamos na coluna anterior), há todo um universo de conteúdos úteis disponibilizados na rede profunda. Daí por que, ao contrário do que é divulgado na superfície, existe, sim, um lado positivo da Deep Web.

No subterrâneo podem ser encontrados inúmeros fóruns de discussões, onde os usuários podem dialogar entre si sobre variados eixos temáticos: artes, ciência, computação, educação, engenharia, esportes, negócios, saúde, política internacional. A troca de experiências e conhecimento ocorre na Deep Web, assim como em qualquer outra plataforma. Em países onde há censura na Internet, como China, Coreia do Norte e Irã, a utilização deste espaço possibilita aos internautas que tomem ciência de acontecimentos que normalmente não seriam divulgados pelos veículos de comunicação dos próprios governos. Especialistas apontam, nesse sentido, que a chamada Primavera Árabe, onda revolucionária de manifestações e protestos ocorridos no Oriente Médio e no Norte da África contra a repressão e a censura na Internet, teve início em fóruns de discussão da Deep Web.

Somado a estes espaços de debates, na esfera subterrânea podem ser encontradas bibliotecas virtuais, contendo obras sobre religião, direito, matemática, história, psicologia, entre diversas outras áreas. Na Deep Web estão também disponibilizadas músicas, filmes e documentários, que não necessariamente foram proibidos, mas que, por alguma razão, não estão mais indexados na Surface Web.

Mas talvez o maior benefício da Deep Web seja possibilitar ao usuário o anonimato, compreendido aqui não no sentido pejorativo (vinculado ao “abrigo” para o cometimento de crimes), mas como o desejo do internauta de não ter seus dados pessoais e hábitos de navegação coletados a todo instante na Internet, informações estas que acabam sendo comercializadas para as empresas. Em sua obra “Vigilância Líquida”, Zygmunt BAUMAN[4] destaca que diariamente inserimos na rede informações de cunho pessoal, comunicando nossos desejos e gostos e, mesmo sem perceber, acabamos contribuindo para o incremento da nossa própria vigilância. O consumidor que procura na Internet livros sobre “Direito Digital”, receberá, em questão de minutos após a busca inicial, sugestões de obras desta área, mesmo de livrarias virtuais de que jamais tenha ouvido falar. E este é apenas um aspecto do contexto de vigilância a que estamos submetidos nos dias de hoje.

Em suma, embora seja vislumbrada como um ambiente obscuro, hostil e sua utilização esteja geralmente associada à prática de delitos, a Deep Web possui pontos positivos. A “má fama” da rede profunda, ao que tudo indica, será ainda propagada por muitos anos, sobretudo pelos recentes casos de pedofilia e tráficos de drogas/armas que já foram desvelados neste ambiente. Porém, em face da vigilância verificada nestes tempos líquidos, infiltrada na corrente sanguínea da vida contemporânea, permanece a indagação se, num futuro não muito distante, navegar de forma anônima não será mais do que um privilégio, mas a única opção disponível para uma vida mais “livre”…


[1] Quais sejam: “Você conhece ou já ouviu falar da Deep Web?”, “Você já navegou na Deep Web?” e “Você sabe qual tipo de conteúdo existe na Deep Web?”.

[2] Consoante pesquisa realizada em 01/09/2015, às 20h18min.

[3] O artista de efeitos especiais de horror Remy Couture, que divulgava seu trabalho no sítio eletrônico denominado Inner Depravity, foi acusado de “corrupção da moral” diante das imagens chocantes envolvendo cenas de “tortura” e o “homicídio” de pessoas e adolescentes. A acusação (infundada) não foi levada adiante e Remy foi inocentado. O artista mantém atualmente um novo site, contendo fotos artísticas explícitas no gênero horror. Todas as imagens são cenas ficcionais com maquiagem e efeitos especiais.

[4] BAUMAN, Zygmunt. Vigilância líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

_Colunistas-BernardoSouza (1)

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