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Limite temporal à interceptação telefônica

Limite temporal à interceptação telefônica

A interceptação telefônica é ferramenta de enorme utilidade na apuração de infrações penais, isso é indiscutível. Certo, também, que, nos tempos atuais, determinada espécie de crimes somente será desvendada mediante o emprego de métodos modernos de investigação, dentre eles, desponta a interceptação telefônica.

Entretanto, é imprescindível que se parta do pressuposto de que a implementação de uma interceptação telefônica representa o afastamento pontual de uma garantia assegurada na Constituição Federal (art. 5º, inciso XII: É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.)

É que, estando o cidadão com seu telefone sob interceptação, estará ele sofrendo uma medida invasiva de sua privacidade e intimidade, valores protegidos pela Lei Maior (art. 5º, inciso X).

Não se recusa, por óbvio, que há interesse público na investigação de delitos, o que poderá resultar, presentes os requisitos autorizadores da medida, no afastamento pontual da garantia do sigilo das comunicações telefônicas, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

O que estas linhas pretendem discutir é quanto ao limite temporal para que perdure a medida de interceptação telefônica. Vale dizer, neste aparente entrechoque de valores tutelados pela Constituição da República, ou seja, a privacidade, a intimidade e o direito ao sigilo das comunicações telefônicas diante do interesse público na apuração de crimes, a questão é encontrar o ponto de proporcionalidade.

Segundo o art. 5º da Lei n.º 9.296/96, diploma que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal, a interceptação perdurará por até 15 dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada sua indispensabilidade.


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Com efeito, como a lei de regência não explicitou um limite à prorrogação do prazo da medida de interceptação telefônica, tem-se situações em que ela se estende indefinidamente, às vezes, por muitos meses e, não raro, anos a fio.

Não se duvida que, em linha de princípio, a interceptação telefônica é balizada pela presença dos fundamentos que ensejaram sua adoção. Entretanto, força é reconhecer que uma investigação não pode se prolongar indefinidamente no tempo, sem qualquer balizamento quanto a um limite temporal. Para tudo deve haver limites. E os limites estão na própria Constituição Federal.

Sempre conveniente enfatizar que a interceptação é ferramenta destinada a investigar fatos, e não pessoas.

Grassa na jurisprudência contenda a respeito do melhor caminho para estabelecer-se um critério de proporcionalidade e razoabilidade, tendo em vista os valores envolvidos, para a fixação de um limite temporal à medida de interceptação das comunicações telefônicas.

Em impactante julgado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que seria razoável o prazo de 60 dias, como o máximo que pode perdurar uma interceptação telefônica, tendo declarado a nulidade de provas advindas de interceptação que ultrapassou aquele prazo:

Comunicações telefônicas. Sigilo. Relatividade. Inspirações ideológicas. Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabilidade. 1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite-se, porém, a interceptação “nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer”. 2. Foi por meio da Lei nº 9.296, de 1996, que o legislador regulamentou o texto constitucional; é explícito o texto infraconstitucional – e bem explícito – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação – “renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”. 3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/96, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las. 4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente) resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade, da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (Maximiliano). 5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei nº 9.296/96, art. 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, art. 136, § 2º), ou razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/96, evidente violação do princípio da razoabilidade. 6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito. (STJ, 6ª Turma, HC 76.686/PR, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 09.09.2008)

Interessante a construção teleológica realizada pelo STJ, para o fim de estabelecer o prazo de 60 dias, como o máximo que pode vigorar uma interceptação. É que, em situação de estado de defesa, o qual não pode ultrapassar o prazo máximo de 60 dias (art. 136, § 2º, da CF/1988), uma das medidas de restrição a direito fundamental que se admite, é o afastamento do sigilo de comunicações telefônicas (art. 136, § 1º, inciso I, alínea c, da CF/1988).

Refira-se que, também no estado de sítio, cujo prazo máximo igualmente é de 60 dias, salvo em caso de guerra ou agressão armada estrangeira, uma das poucas medidas restritivas que se admite é quanto ao sigilo das comunicações (arts. 138, caput, e § 1º, e 139, inciso III, da CF/1988).

Logo, faz sentido que se, em situação de instabilidade institucional, sendo necessária a decretação de estado de defesa no país, o máximo que se admite de restrição ao sigilo das comunicações telefônicas, é de 60 dias, vigorando situação de normalidade institucional, a medida de interceptação telefônica não possa ser prorrogada para além de 60 dias.

Como o julgado do STJ faz referência, cuida-se de lição de hermenêutica que se origina das lições de Carlos MAXIMILIANO (2000), segundo o qual, normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente.

Oportuno que se diga que, em face do mencionado HC n.º 76.686/PR (STJ), o Ministério Público Federal manejou o Recurso Extraordinário n.º 625.263, onde pede anulação da decisão proferida pelo STJ, tendo o STF reconhecido a presença de repercussão geral na matéria nele discutida.

Assim, diante deste contexto, sempre partindo do princípio do primado da Constituição, afigura-se razoável entender que a medida de interceptação telefônica, medida de utilidade na persecução penal, mas que implica sacrifício pontual de garantia fundamental, pode ser decretada uma vez e prorrogada outras tantas, até o máximo de 60 dias.


REFERÊNCIAS

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

Rodrigo de Oliveira Vieira

Advogado criminalista. Ex-Promotor de Justiça.

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