ArtigosDireitos Humanos

10 medidas para prevenir os crimes contra os direitos humanos

10 medidas para prevenir os crimes contra os direitos humanos

No último relatório anual da organização não-governamental Anistia Internacional, foi diagnosticada uma sensível piora na situação dos direitos humanos no mundo.

A crise econômica e a questão dos refugiados trouxeram instabilidade social em várias partes do globo. Para evitar uma escalada de violência nesse contexto de deterioração da vida comunitária, é preciso urgentemente pensar em medidas preventivas aos massacres.

Em todos os tratados internacionais sobre crimes contra a humanidade há a imposição de deveres de prevenção à comunidade internacional.

Todavia, é corrente a ideia, ao menos na comunidade jurídica, de que a prevenção se dá com a mera criminalização de condutas violadoras dos direitos humanos, o que, como já explorei em outra coluna, é uma falácia.

A mera criminalização de condutas não evita a perpetração de atrocidades contra os direitos humanos, como revelam os conflitos sangrentos em curso na Síria, Iêmen, Líbia, República Democrática do Congo, Sudão do Sul, Colômbia e Ucrânia, por exemplo, mesmo após o Estatuto de Roma ter sido criado em 1998 e o Tribunal Penal Internacional ter entrado em funcionamento em 2002.

A intervenção do Direito Penal Internacional se dá após as violações aos direitos humanos já terem ocorrido e geralmente opera de maneira seletiva, como mostram os casos de atrocidades que duram anos e que ainda estão fora das jurisdições penais nacionais e das Cortes Internacionais.

Nesta coluna e na próxima, farei a proposta de 10 medidas que considero como básicas e emergenciais para buscar a prevenção dos crimes contra os direitos humanos. As medidas partem de análise de relatórios da Organização das Nações Unidas, de ONGs de direitos humanos e de pesquisas acadêmicas, bem como de medidas já adotadas internamente por alguns países com resultados positivos. As cinco primeiras medidas propostas são:

1. Controle do comércio de armas

Em outra coluna explorei os mecanismos que permitem a facilitação do comércio de armas para regiões instáveis, em especial para governos e milícias que publicamente cometem crimes contra a humanidade contra a população civil.

De acordo com a Anistia Internacional, no relatório “Fatos assassinos: o impacto do comércio irresponsável de armas de fogo nas vidas humanas, nos direitos e no desenvolvimento sustentável”, publicado em 2010, quase 60% das violações de direitos humanos documentadas pela organização foram cometidas com armas pequenas (revólver, metralhadoras e rifles, por exemplo) e amas leves (como mísseis, granadas, minas e morteiros).

O comércio global de armas é estimado em 8.5 bilhões de dólares anuais (sem contar o mercado ilegal), de acordo com a organização Global Justice.

Embora seja um mercado que se expande a cada ano, pouco se tem feito no sentido de reforçar a sua regulação com a finalidade de impedir que armas e munições inundem regiões política e socialmente instáveis do planeta, especialmente porque os conflitos armados majoritariamente estão localizados em países pobres e com baixo desenvolvimento social.

Infelizmente, interesses econômicos do mercado mundial de armas podem explicar a reticência da comunidade internacional em implementar medidas efetivas para impedir que as armas cheguem até as mãos daqueles que estão conduzindo massacres ao redor do globo.

Para exemplificar, tomem-se os casos da Síria e Iêmen, que, mesmo em guerra civil, têm recebido armas de países como EUA, Alemanha, Irã, França, Rússia e Brasil.

2. Educação para os direitos humanos

A educação é apontada pela ONU como uma das medidas mais eficazes para prevenir crimes contra os direitos humanos. Todavia, é preciso adotar um modelo educacional que ultrapasse a velha ideia de “treinamento” e que preconize a emancipação dos sujeitos.

Uma educação que, além de universalizante (que se estenda a toda a população), seja pautada em valores humanistas, éticos e multiculturais e que propicie aos alunos ferramentas para entenderem a complexidade da vida.

A educação para os direitos humanos não é reduzida a workshops ou palestras eventuais nas escolas e universidades sobre temas afetos aos direitos humanos, mas sim deve estar incluída de maneira transversal nas Disciplinas da grade curricular. O estudo da História ou Literatura, por exemplo, demanda também o estudo do feminismo ou das revoluções operárias, assim como a perseguição política aos autores que ousaram pensar diferente de seus regimes.

3. Fortalecimento de instituições democráticas

Uma das medidas propostas para reduzir a incidência da macrocriminalidade política é o fortalecimento das instituições democráticas, como um Judiciário e Ministério Público independentes, polícias que operem dentro da legalidade, órgãos de fiscalização dos agentes públicos, eleições livres e a representação de diversos segmentos da sociedade nos parlamentos.

Uma diplomacia engajada com a defesa dos direitos humanos também é indispensável para a garantia da paz e da segurança da humanidade em âmbito global.

A organização da sociedade civil através de observatórios, sindicatos, organizações não-governamentais, movimentos sociais e coletivos é imprescindível para tornar plural o debate público e dar vozes aos grupos minorizados.

A garantia da participação de mulheres, negros, grupos étnicos, comunidades tradicionais e população LGBT em partidos políticos, associações civis e instituições públicas, bem como o atendimento desses segmentos historicamente oprimidos por políticas públicas específicas e emancipatórias, também constituem uma importante medida para fortalecer a democracia e o respeito aos direitos de todos os membros da comunidade.

A garantia da liberdade de imprensa, com a democratização dos meios de comunicação (o que permite dar voz aos anseios de grupos minorizados), serve como forma de controle dos negócios públicos e de denúncia de eventuais discursos que infectam com o ódio a vida pública (sobre a liberdade de imprensa e discursos de ódio, tratarei mais na próxima coluna).

4. Proteção universal dos direitos sociais

Os direitos sociais são direitos humanos universais, assim considerados por vários tratados internacionais. A garantia de proteção social, especialmente, aos mais vulneráveis constitui importante medida de prevenção aos crimes contra a humanidade.

Segundo a ONU, a maior parte dos conflitos hoje no mundo decorre da falta de acesso de uma parcela da população aos serviços públicos, como educação, saúde, moradia e previdência. A exclusão social é acompanhada de ressentimento, o que pode explicar a eclosão de atos de violência a partir de discursos de ódio contra aqueles que são vistos como privilegiados pela massa excluída.

Por outro lado, a exclusão social marginaliza grande parcela da população, tornado-as invisíveis para as classes que detém o poder econômico. A despersonalização dos vulneráveis, deixados a sua própria sorte, permite que as classes com poder político usem do aparato de repressão do Estado para imporem seus interesses pelo meio da força, invocando a violência como “aceitável” para a eliminação de quem já está à margem da sociedade.

5. Garantia dos direitos dos grupos minorizados

Grupos minorizados, como mulheres, crianças, negros, população LGBT, grupos étnicos, islâmicos e judeus, por exemplo, estão mais suscetíveis de serem vítimas da macrocriminalidade política, notadamente porque, dependendo do contexto social, estão excluídos dos bens públicos e da participação política.

A garantia dos direitos de grupos minorizados deve estar no topo da agenda de sociedades que se preocupam com a prevenção dos crimes contra os direitos humanos.

Ao excluir esses grupos da proteção jurídica e da igualdade de direitos, as maiorias podem facilmente apontá-las como bodes expiatórios de problemas históricos e estruturais de uma sociedade e direcionar o ressentimento social contra os que já estão em condição vulnerável.

A despersonalização dos grupos minorizados, causada por sua exclusão sistemática da vida comunitária e dos bens públicos, permite que discursos de ódio, criados a partir da manipulação dos fatos, floresçam facilmente e sejam instrumentalizados para garantir a perpétua exclusão desses grupos, bem como, em casos extremos, a sua eliminação física.

A fim de evitar a exclusão social e a violência que eclode a partir dela é preciso garantir meios para que os grupos minorizados se tornem visíveis para a comunidade em que estão inseridos, seja através de ações afirmativas, do ensino em escolas e universidades das formas de identidade desses grupos, da implementação de políticas públicas específicas e da garantia de uma imprensa plural que lhes possa dar voz.


REFERÊNCIAS

ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2016/2017: o Estado dos direitos humanos no mundo. Rio de Janeiro: 2017.

COUNCIL OF MINISTERS OF EDUCATION. Education for peace, human rights, democracy, international understanding and tolerance. Toronto: Council of Ministers of Education, 2001. 

KOÓS, Agnes Katalin. Peace and conflict in inter-group relations: the role of economic inequality. Lanham: Lexington Books, 2014.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo