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A Teoria dos Sistemas Sociais e o STF

A Teoria dos Sistemas Sociais e o STF

A partir do legado de Niklas Luhmann, importante sociólogo alemão do século pretérito, é possível refletir sobre as interações em sociedade, sendo elas institucionais ou pessoas.

Luhmann propõe uma percepção da dinâmica humana a partir de “sistemas sociais”, em tese autônomos entre si, que regem os atos subjetivos e institucionais a partir de premissas e regras próprias. Tais sistemas desenvolvem-se em subsistemas que o compõe, tal qual um ramo do direito é composto por vários institutos jurídicos específicos.

A título de exemplo, o Direito perfaz um subsistema social, assim como a Economia. O Direito, em tese autônomo em relação aos outros subsistemas, retém tão somente as informações necessárias à sua plena existência e funcionamento adequado, ao passo que ocorre o mesmo com a Economia e todos os demais subsistemas da sociedade.

Ocorre que, por uma série de motivos (os quais não são objeto deste artigo, visto a profundidade inerente ao tema), os sistemas e subsistemas sociais podem afetar e até mesmo colonizar os demais. Existem maneiras diferentes de analisar essas influências, podendo ser tanto positiva – quando determinadas práticas econômicas são proibidas pelo Direito, mas com intuito em salvaguardar a tutela de bens jurídicos – quanto a negativa, momento em que vislumbra-se a completa corrupção do subsistema alheio.

Assim, é possível que o Direito seja afetado pela Economia, de modo que, por motivações puramente econômicas, juízes se propõem a vender decisões judiciais, privilegiando o caráter econômico em detrimento dos parâmetros que regem sua atuação jurídica e, consequentemente, afetando de forma negativa o sistema do Direito como um todo.

Destarte, finda essa introdução preliminar, se faz necessário tratarmos do atual Supremo Tribunal Federal, das instituições da república e entidades subjetivas, todas essas figuras que, ao que parece, confundem a todo instante o pessoal com público; o sistema social do direito com o sistema social econômico, religioso, particular, ideológico e sabe se lá o quê mais.

Ao que consta da experiência brasileira atual, resta praticamente impossível dissociar qual sistema social não fora corrompido por outro e, mesmo as “regras” criadas a partir de tal corrupção, corrompem-se novamente em prol de outros interesses atualizados.

Trato, pois, do Inquérito de nº 4.781 instaurado pelo Supremo Tribunal Federal em 14 de março de 2019, supostamente para apurar fatos e infrações penais relativos a notícias fraudulentas – denominadas fake news -, e ameaças no ambiente virtual da internet que teriam, em tese, como alvo o próprio STF e seus ministros.

Ocorre que tal inquérito fora iniciado ex officio pelo próprio STF, figurando, pois, como órgão de investigação (e pode-se dizer até mesmo de acusação); a vítima e, posteriormente, poderá inclusive figurar como julgador em determinados casos que envolvam personagens com foro por prerrogativa de função no próprio Tribunal. Ademais, outro problema imanente é a fundamentação para sua abertura, que foi promovida pelo Ministro Dias Toffoli, baseado no artigo 43 do Regimento Interno do STF, que assim determina:

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro. § 1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente. (…).

Como se observa, tal fundamento autoriza somente a instauração se a infração penal ocorrer na sede ou dependência do Tribunal, além de envolver autoridade ou pessoa sujeita à jurisdição do próprio STF, o que foi completamente obliterado por Dias Toffoli que, além disso, indicou, por predileção, o Min. Alexandre de Moraes para presidir a investigação.

As diligências oriundas de tal inquérito estão ocorrendo em todo território nacional, transformando o Brasil inteiro em “sede ou dependência do STF”, além de ter como alvo diversas pessoas que não estão sujeitas à jurisdição do STF. Ou seja, um “show de horrores jurídico.”

Ato contínuo, argumenta alguns que tal inquérito não possui objeto definido, servindo “ao bel prazer dos ministros do STF”. Tal narrativa ganha força quando observa-se que Alexandre de Moraes já determinou suspensão de procedimentos investigatórios na Receita Federal acerca do Min.

Gilmar Mendes e de sua esposa, Guiomar Mendes; também sobre Roberta Rangel, então esposa de Dias Toffoli, além de outras 133 pessoas; já determinou censura à Revista Crusoé, a respeito de matéria jornalística veiculada sobre fatos que levantam alegações sobre Dias Toffoli; já determinou busca e apreensão no endereço do General do Exército Paulo Chagas, atualmente na reserva, que teceu críticas ao STF; além de várias outras pessoas comuns que criticaram de alguma forma o STF ou seus ministros nas redes sociais.

Não bastasse toda a situação narrada, o atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras, o ex-Advogado Geral da União e atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e o Presidente da República, Jair Bolsonaro, defenderam a constitucionalidade do inquérito desde sua instauração até o presente dia (28/05/2020).

Mudaram de “opinião” acerca da legalidade da investigação justamente após a Polícia Federal, em operação no âmbito de tal inquérito, operar buscas e apreensões em diversos endereços de apoiadores militantes do atual governo, em tese sob suspeita de cometimento de vários ilícitos. De ontem para hoje, o entendimento “jurídico” do Procurador-Geral da República, do Ministro da Justiça (ex-AGU) e do Presidente da República, mudou drasticamente.

Analisando em termos processuais penais, até mesmo para um estudante de primeiro semestre da graduação em Direito, seria possível detectar o latente absurdo desse estado de coisas.

Por fim, traçando um paralelo com a Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann, assim como um sistema social pode corromper outro, ouso dizer que no Brasil os agentes públicos corrompem as instituições em prol dos seus interesses subjetivos de momento, não demonstrando qualquer motivação para fazer valer a distinção entre interesse coletivo e pessoal. No Brasil, “coisa pública” se tornou sinônimo – ao poético exemplo sicilliano – de cosa nostra para os mafiosos que exercem qualquer tipo poder.


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