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Consentimento válido e violação de domicílio

Consentimento válido e violação de domicílio

Por Felipe Geitens, Tamara M. da Silva e Geovani Romão

Em situação em que há consentimento válido pelo morador, mesmo sem ordem judicial, a busca domiciliar está dentro da legalidade e pode ser realizada pelos agentes policiais, caso contrário, a busca é ilegal.

No entanto, a realidade mostra que muitas vezes sequer é oportunizada escolha, ou é perguntado ao “suspeito”, se permite essa entrada ou não. 

Na prática, agentes policiais, se valendo do valor que é conferido aos seus depoimentos pelos magistrados, para validar a ilegalidade da violação perpetrada, muitas vezes declaram que os suspeitos “franquearam a entrada”. 

Portanto, em que pese o consentimento ser uma exceção à inviolabilidade do domicílio, quando este consentimento será considerado válido? Quais critérios deve o magistrado ponderar para verificar se esse dito consentimento de fato ocorreu? 

Nas palavras de Alexandre Morais da Rosa:

O consentimento fornecido por morador somente poderá ser válido quando se der pelo responsável pela casa, desprovido de pressão policial[…] Assim, estando os policiais fardados, fortemente armados, acreditar-se em consentimento é cinismo[…].

Recentemente, o Ministro Rogério Schietti Cruz, no julgamento do HC nº 598.051 – SP, considerou ilícitas as provas obtidas decorrente de violação de domicílio, pois não considerou válido o consentimento que supostamente havia sido dado pelo Réu. 

Nesta decisão, o Ministro, como relator, visando responder ao pedido da parte, e também formar precedente para orientar o julgamento de casos futuros similares, estabeleceu alguns parâmetros:

1. O registro detalhado da operação com a assinatura do morador em autorização que lhe deverá ser disponibilizada antes da entrada em sua casa e testemunhas; 2. Registro em vídeo e áudio de toda a diligência.

Quanto ao registro em vídeo, “permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa causa para o ingresso e se, quando houver sido apontado o consentimento do morador, foi ele livremente prestado”.

Questiona o Ministro Rogério Schietti:

Já não é hora de revermos nossa compreensão e frearmos as violações abusivas de lares da população mais carente, exposta permanentemente ao risco de ter sua privacidade exposta por ações de servidores do Estado que, mesmo quando movidos por boa intenção e subjetivamente direcionados ao esclarecimento e à cessação de atividade criminosa, não seguem parâmetros mínimos de proteção à intimidade das pessoas que ocupam a residência, incluído, por óbvio, o suspeito?

Ressaltou ainda:

Chega a ser, para dizer o mínimo, ingenuidade acreditar que uma pessoa abordada por dois ou três policiais militares, armados, nem sempre cordatos na abordagem, livremente concorde, sobretudo de noite ou de madrugada, em franquear àqueles a sua residência, ciente, pelo senso comum, do que implica tal situação para a intimidade de um lar.

Dessa forma, em casos de ingresso em domicílios sem a devida comprovação do consentimento, as provas obtidas devem ser dadas como ilícitas.

Além da decisão recente do Ministro Rogério Schietti, tempos antes, o Desembargador aposentado Diógenes V. Hassan Ribeiro, quando compunha a Terceira Câmara Criminal do Estado do Rio Grande do Sul, já trazia em seus votos decisões que muito dialogam com o texto Constitucional sobre a proteção do domicílio. 

Em 2014, no recurso de apelação n. 0256530-79.2013.8.21.7000, em processo que discutia o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, consta que a autora recorrente estava em via pública e em frente à sua casa, quando foi abordada por policiais à paisana, que após buscas pessoais, esta “franqueou” a entrada dos agentes em sua residência. Oportunidade em que os policiais lograram êxito em encontrar entorpecentes e arma de fogo.

Ao analisar a narrativa dos fatos, a Terceira Câmara Criminal do TJRS discorreu que não havia provas sobre a existência dos fatos, ante a inexistência de previsão legal sobre o mero suposto consentimento da moradora em franquear a entrada de policiais em sua residência, eis que supostamente a permissão somente ocorreu mediante prévio constrangimento; ainda, que, caso houvesse a suspeita que em determinado domicílio ocorresse algum tipo de crime, deveria o policial requerer junto ao Poder Judiciário o mandado de busca e apreensão, uma vez que a lei não permite atalhos.

Em outro caso, no recurso de apelação 0164811-16.2013.8.21.7000, em seu voto, o Des. Diógenes menciona:

Em primeiro plano, o consentimento do proprietário da casa, do qual não há prova além do relato dos policiais, não pode ser tomado como autorização suficiente, uma vez que a casa estava alugada por Bruno, cabendo a ele decidir quem ingressa ou não em seu domicílio.

No recurso de apelação 0091647-76.2017.8.21.7000, os agentes policiais informaram que havia sido dado o consentimento e a ré negou, nestes casos geralmente o magistrado é a favor dos agentes policiais, no entanto, neste caso o Desembargador decidiu que:

Os agentes teriam ingressado de forma abrupta, dizendo que eram policiais, razão pela qual estariam entrando na residência. Ora, nesse contexto, inviável até perquirir sobre a legitimidade de eventual consentimento prestado, obtido diante de agentes de Estado armados e que já estavam prontos para ingressar no domicílio, existindo ou não resistência. Assim, considerando que no processo penal a dúvida sempre se resolve em favor do réu, restou isolada a narrativa dos policiais no que tange ao consentimento para o ingresso na residência.

Sendo assim, tal Desembargador, infelizmente já aposentado, o Dr. Diógenes V. Hassan Ribeiro, há quase dez anos atrás proferia decisões em consonância com o que garante a Constituição.


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