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Detração e fixação de regime inicial de cumprimento de pena

A aplicação da detração para a fixação de regime inicial de cumprimento de pena

Por Felipe G. Geitens, Tamara M. da Silva e Maria Aparecida Francisco

Recentemente, após ser condenado pelo Tribunal do júri de Florianópolis, o acusado Elias recebeu uma pena de pouco mais de 9 (nove) anos de reclusão, em regime de cumprimento inicialmente fechado.  Aplicada a detração, com o cômputo do período em que permaneceu preso provisoriamente, o saldo remanescente foi de 6 anos, 11 meses e 2 dias de prisão.

Até aí estaria tudo bem, não fosse a decisão pela permanência do regime inicial como o fechado.

Pois bem, o instituto da detração está previsto no artigo 42, do Código Penal, e dispõe que:

Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

Ocorre que, a detração não se trata de mera diminuição da pena. O cômputo da detração deve ser considerado para fins de determinação do regime inicial da pena privativa de liberdade, a aplicação da detração também deve estar em conformidade com o que dispõe o artigo 387, § 2o, do Código de Processo Penal, que dispõe que

O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.

Portanto, voltando ao caso de Elias, a detração não restaria adequada somente pela diminuição do tempo em que este permaneceu preso, mas, também para firmar o regime inicial do cumprimento de sua pena.

Assim, tratando-se de pena inferior a 8 anos, seu direito é de cumprimento em regime inicial semiaberto.

Há discussões jurisprudenciais pela manutenção do regime fechado, após a detração, mesmo com o quantum de pena remanescente inferior a 8 anos, que levam em conta a reincidência e circunstâncias judiciais negativas do acusado, o que não era o caso de Elias, uma vez que as circunstâncias judiciais (art. 59, CP) foram todas favoráveis e este é primário.

Contudo, a prática revela que muitos magistrados apenas diminuem a pena provisória do total da condenação, sem utilizar a detração para a fixação do regime e muitas vezes confundem-se, deixando de aplicar adequadamente o instituto por crer que isso seria como uma forma de progressão de regime.

O STJ já se manifestou a respeito:

Há manifesta confusão feita pelo Juízo de origem entre os institutos da detração penal e da progressão de regime. Aquele, aplicado no processo de conhecimento, determina que seja levada em consideração qualquer fração de tempo de prisão provisória para a fixação do regime inicial da pena privativa de liberdade. Ou seja, ao realizar a dosimetria, deve o juiz descontar da pena fixada o tempo de prisão provisória antes de fixar o regime. O resultado dessa subtração é que deve ser utilizado como parâmetro para fixação do regime inicial, aliado a outros critérios, como reincidência e circunstâncias desfavoráveis, em observância ao disposto no art. 33 do Código Penal. […] Portanto, ao refazer a dosimetria, deveria o Juízo de origem ter descontado o tempo de prisão provisória antes de fixar o regime inicial, e não calcular o tempo necessário para a progressão de regime (Rcl 18.324, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 13.8.14).

No mesmo sentido:

Em consequência, sendo o quantum da condenação o único fundamento utilizado pela Corte local para fixar o regime semiaberto, operada a detração já reconhecida na origem, a paciente faz jus ao regime aberto, na esteira do art. 33, § 2º, alínea c, do CP c/c 387, § 2º, do CPP. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para alterar o regime prisional para o aberto. (STJ – HC: 342011 PR 2015/0298625-0, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 03/05/2016, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2016)

Uma questão que inicialmente parecia simples, bastasse a aplicação da letra fria da lei, mas que de forma concreta, acabou por fixar o regime inicial do cumprimento de pena de Elias de forma infinitamente mais gravosa do que a sua de direito.

Por fim, além do esforço mútuo da comunidade jurídica, é necessário que os atores do judiciário tomem consciência e façam seu papel na efetivação de direitos fundamentais, não tecendo interpretações prejudiciais e principalmente que se fastam da legalidade.

A não aplicação de um direito no caso de Elias é a não aplicação de um direito em todo lugar. Você advogado(a) é o principal guardião dos direitos fundamentais e Constituição. Onde um advogado permite a perpetuação do arbítrio, aceitando, sem buscar resguardar os direitos de seus clientes, está permitindo a perpetuação do arbítrio em todo lugar.


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