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Crime culposo: você sempre ouviu falar, mas sabe realmente o que é?

Esta coluna é para você, estudante de direito, que não possui mais o direito de dizer que o crime culposo “é aquele sem intenção”, mas que também sofre com os questionamentos curiosos do almoço de família, tendo dificuldades de explicar para aquela sua tia porque nem tudo no mundo é dolo eventual.

Pois bem.

O crime culposo decorre de uma ação voluntária, direcionada a um fim lícito, que, por inobservância de um dever objetivo de cuidado, ocasiona um resultado danoso. Os delitos culposos são excepcionais e, por conseguinte, somente podem ser aplicados mediante expressa previsão legal – sem essa previsão a punição culposa é incabível (princípio da excepcionalidade).

A evolução do crime culposo deve ser vista ao lado do caminhar das teorias da conduta em direito penal.

No causalismo, por primeiro, o dolo e a culpa estavam destacados no estrato da culpabilidade, pois elementos subjetivos. Considerando a divisão de Liszt-Beling, em seara objetiva e subjetiva do crime, o dolo e a culpa somente seriam analisados após a afirmação do injusto puramente objetivo. A culpabilidade era, então, uma concepção puramente psicológica.

A derrocada do causalismo veio justamente em virtude de sua divisão em pontos objetivos e subjetivos, vez que o conceito de conduta causal era insuficiente para explicar os crimes omissivos e, com relação à culpa, o causalismo olvidava que o delito culposo derivava de critérios normativos.

Foi com o finalismo de Welzel que se reestruturou o conceito analítico de crime para o formato mais próximo do atual, com o dolo e a culpa no tipo (local adequado para se fazer o desvalor da ação e do resultado) – embora hoje já se fale em se analisar a culpa em outros estratos, como a antijuridicidade.

No Código Penal Militar, no art. 33, a lei, embora não siga a lógica finalista, apresenta os elementos do delito culposo, quais sejam: i) conduta humana voluntária; ii) resultado involuntário (busca a realização do resultado lícito, mas ocorre o ilícito); iii) inobservância do dever objetivo de cuidado.

Com relação ao dever objetivo de cuidado, por exemplo, o CTB, nos arts. 28, 29 e 30, apresenta os deveres de cuidado impostos ao motorista e delimita o risco permitido. A violação desse dever decorre quando a conduta praticada difere do standard de conduta exigido pela lei ou pelas convenções sociais.

O tal dever de cuidado, para parte da doutrina, pode ser interno, quando há o dever de advertir o outro acerca do perigo próximo, ou externo, quando o dever refere-se à omissão de ações perigosas, exigindo-se a atuação prudente. Mas a mesma doutrina ainda discute se o dever deve ser objetivo – partindo do pressuposto do homem médio – ou subjetivo, analisando-se a partir das peculiaridades do agente que pratica a conduta.

Com o fim de quebrar a discussão, a doutrina moderna trouxe concepções intermediárias, afirmando existirem padrões mínimos de conduta (como o CTB), porém a exigência do dever de cuidado tanto será maior, quanto maior for o conhecimento, o domínio de um técnica, por parte do agente (ou seja, um motorista profissional terá maior exigência de cuidado que um jovem que recém foi habilitado para conduzir veículos, embora ambos pratiquem delitos culposos se atingirem uma vítima na calçada).

Ainda, há quem diga que o que se deve ter em conta é o ambiente social no qual vive o autor.

O resultado, nos crimes culposos, assim como nos dolosos, não necessita ser naturalístico, mas, sim, jurídico – do que se extrai que a colocação culposa do bem jurídico em perigo já seria suficiente para se afirmar o delito culposo, mesmo que não se concretize o perigo materialmente (vide artigo 56 da Lei n. 9.607/98).

Ademais, o resultado involuntário deve ser oriundo da inobservância do dever objetivo de cuidado, devendo haver um nexo de causalidade entre ambos.

O crime culposo, por fim, exige que ao agente tenha sido possível prever objetivamente a ocorrência do resultado danoso, a partir da noção de domínio de uma técnica. O observador deve se por na posição do agente, mas deve ter em vista as circunstâncias do caso concreto cognoscíveis por uma pessoa inteligente.

Em suma, o crime culposo é forma de conduta humana que se caracteriza pela realização do tipo de um delito, por meio de uma ação perigosa e contrária ao dever de cuidado, cuja culpabilidade se assenta na não “evitação” do resultado evitável. A culpa, aqui, seria uma ação voluntária, com o domínio de uma técnica, cujo autor não afirma o compromisso com a vulneração do bem jurídico, constituindo-se em elemento puramente normativo.

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