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Afinal, o que a defesa quer?

Afinal, o que a defesa quer?

Quando era estudante de Direito, precisava observar audiências e júris. Ao ver a atuação dos Advogados Criminalistas e Defensores Públicos, tinha a impressão de que estavam apenas lutando pela impunidade, e não pelo cumprimento da Constituição ou da legislação.

Em alguns casos, parecia que a defesa queria algo totalmente diverso das disposições legais.

Muitos anos depois, aqui estou, agora na defesa, sabendo o que realmente nós, atuantes na defesa penal, queremos.

O que os Advogados Criminalistas realmente querem? Queremos a mudança da legislação? Ou gostaríamos que ocorresse absolvição em todos os processos em que atuamos?

A ingenuidade sobre o que a defesa realmente quer predomina no âmbito de muitas instituições que atuam no processo penal. Na verdade, a defesa penal não quer impunidade, soltura em massa, fim da prisão cautelar ou recursos infinitos.

A defesa quer apenas o cumprimento da legislação, e nada mais do que isto! Para a defesa, basta o cumprimento do que está aí. Não são necessárias mudanças significativas.

Na execução penal, por exemplo, queremos o fim desse paradigma da fipetização da Lei de Execução Penal. Infelizmente, aplica-se a Lei de Execução Penal como se fosse a tabela FIPE, isto é, alguns órgãos estão dispostos a cumprir apenas menos do que ela prevê, nunca mais ou igual ao que está previsto.

A defesa penal não quer que todos os seus pedidos sejam sempre acolhidos, mas sim ouvidos. Queremos o fim de decisões como a da Juíza do Amazonas, que, no recebimento da denúncia, deferiu os requerimentos do Ministério Público, “se existentes”.

Ora, se é assim, o que a defesa faz no processo penal? Institucionalizaram aquilo que já sabíamos há tempos?

Mais do que ser ouvida, a defesa quer ser considerada, ainda que minimamente. Quer que as decisões relativas aos seus requerimentos sejam elaboradas APÓS a defesa concluir a sua fala, e não durante a sua manifestação, como ocorre diariamente.

É preocupante ver Juízes redigindo sentença condenatória durante as alegações finais orais da defesa.

Ademais, a defesa penal quer que todas as suas alegações e fundamentações sejam avaliadas individualmente pelo Magistrado, e não pelos estagiários e assessores. Deseja-se que os pedidos de liberdade, os memoriais defensivos e as razões de apelação

contra sentenças condenatórias não entrem na pilha de processos que fazem parte da ideologia judicial de “matar processos”. Quando um Juiz diz que matou uma pilha de processos criminais, sempre há a morte da defesa.

A defesa não quer a impunidade, porque não está alheia à sociedade. Ou alguém acha que os Advogados querem viver em uma sociedade em que os crimes não geram consequência?

Também está entre as pretensões da defesa o fim da relação perniciosa entre Ministério Público e Juízes. A defesa não quer – e nem pode – entrar nessa panelinha. Não queremos – como muitos Promotores querem – ser “parças” dos Juízes e viajar com eles para Bariloche.

Nada disso! A defesa quer apenas que, durante os poucos minutos de audiência, os Juízes prestem atenção no que é dito e, especialmente, deixem que a defesa diga, sem interrupções inoportunas como “a defesa tem mais alguma pergunta para a testemunha?” e “se for caso de revogar a prisão preventiva, eu solto de ofício”.

Aliás, a defesa não quer atrapalhar o andamento da pauta de audiências, fazer chicana processual ou gerar demoras injustificadas. O papel da defesa é cooperar apenas nos limites que não ofendam os direitos e garantias fundamentais dos acusados. Por esse motivo, a defesa não pode concordar com as inversões na ordem da oitiva de testemunhas ou a realização de audiência sem a presença do réu preso que não foi conduzido.

É urgente um diálogo sobre a defesa, inclusive para conscientização de autoridades que, de forma indevida, apropriaram-se do processo penal.

Evinis Talon

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

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