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Interrogatório do acusado e o papel dos juízes

Interrogatório do acusado e o papel dos juízes

Até o advento da Lei 11.690/2008, o art. 212 do Código de Processo Penal dispunha que: as perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. Em outras palavras, as audiências possuíam natureza presidencialista, isso, pois, a presidência da atividade probatória era do magistrado-inquisidor.

A lógica era simples: no processo penal busca-se a verdade real, portanto, deve-se eleger um representante de confiança e imparcial, ninguém melhor que o juiz para tal tarefa. Bingo!

Após a Lei 11.690/2008, o artigo 212 ganhou nova redação, dispondo que as perguntas serão formuladas diretamente pelas partes as testemunhas, e, na existência de pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

Significa dizer que os jogadores (acusação/defesa) farão as perguntas às testemunhas, o primeiro a depender de quem as arrolou, o juiz, como imparcial faz o controle das perguntas repetitivas, abusivas ou violadoras das regras, e, ao final, o magistrado poderá complementar, caso ache necessário, a inquirição.

Nesse sentido (SOUZA, 2008, p. 15):

"Assim, o juiz simplesmente poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos, cabendo-lhe ainda não admitir perguntas que não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já feita."

Alexandre Morais da ROSA (2016, p. 441) leciona que:

"A modificação legislativa implementada pela Lei 11.690/2008 dirimiu quaisquer dúvidas em torno da colheita da prova oral, restando bem assentado descaber ao julgador a inquirição das testemunhas, sendo-lhe facultada a complementação de pontos controvertidos somente após a realização de perguntas pelas partes."

O modelo presidencialista de outrora, portanto, deixa de existir, retirando, a partir da alteração legislativa de 2008, o protagonismo do juiz na gestão da prova.

E o interrogatório do acusado? Também é atingido com a nova redação do artigo 212?

A nosso ver, sim. Explica-se.

Inicialmente, argumenta-se que o artigo 188, alterado pela lei 10.792/2003, dispõe que: após proceder ao interrogatório, o juiz indagará as partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente, motivo pelo qual o interrogatório cabe inicialmente ao magistrado e, somente depois de suas indagações, as partes.

No entanto, cumpre destacar que a alteração legislativa 10.792/2003 ocorreu ainda no período de audiência sob ‘regime presidencialista’, isto é, quando o magistrado era o gestor da prova, conforme anteriormente exposto.

Sobre o tema Aury LOPES JR. disserta que “o antigo sistema ‘presidencial’, onde as perguntas eram feitas ao juiz e este as (re)formulava à testemunha, felizmente foi abonado com a nova redação do art. 212 do CPP.”.

Tanto o é, que a leitura do próprio artigo 188, impõe a condição, já revogada, do regime ‘presidencial’ ao afirmar que ‘o juiz indagará as partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente.

Não por outra razão, com o advento das leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008, o juiz deixou de ser o gestor da prova, como já exposto, sendo apenas garantidor da forma, imparcial e distante da produção probatória. Isto é, da mesma forma que se dá a inquirição das testemunhas (diretamente pelas partes, cabendo ao juiz tão somente completar a inquirição), no interrogatório a inquirição deve começar pelo Ministério Público.

Aury LOPES JR. (2003, p. 165-167) explica que a estrutura triangular do processo, colocando o juiz em posição equidistante das partes, fortalece a imparcialidade. Para Geraldo PRADO (2006, p. 54), tal posição de imparcialidade, por sua vez, é essencial para evitar prejulgamentos e pré-juízos.

Outro não é o entendimento de Eugenio Pacelli de OLIVEIRA (2009, p. 370)

"Observa-se, então, que a medida encontra-se alinhada a um modelo acusatório de processo penal, no qual o juiz deve assumir posição de maior neutralidade na produção da prova, evitando-se o risco, aqui já apontado, de tornar-se o magistrado um substituto do órgão de acusação. Assim, as partes iniciam a inquirição, e o juiz encerra."

O ato de interrogatório, como é sabido, é o principal meio de exercício da autodefesa, é o contraditório em vida, motivo pelo qual as regras do jogo devem ser respeitadas, independe da existência ou não de prejuízo (nulidade absoluta), de forma que o interrogatório também deve observar a forma imposto no artigo 212 do CPP.

Esse entendimento já foi aplicado no Superior Tribunal de Justiça, entre outros, no Habeas Corpus 137.089/DF e 121.216/DF, acarretando a anulação do ato realizado sem observância das regras procedimentais e os atos subsequentes.

Nada mais natural, pois, quando o ato padece de vício ensejador de nulidade, uma vez que a produção da prova oral distanciou-se da forma legal e do modelo acusatório previsto na Constituição da República, e para que não haja violação do princípio do contraditório e da ampla defesa, deve o magistrado declarar nulo o ato processual, qual seja o interrogatório, e o renovar.

Por fim, embora esse não seja o entendimento majoritário, a luz de Alexandre Morais da ROSA (2016, p. 443), “esse modo de agir é próprio do negacionismo, pelo qual o sujeito, desconfortável com a realidade normativa, simplesmente finge que ela não existe”, é precisar lutar para que essa corrente ganhe corpo, alinhando-se ao sistema acusatório e colocando o juiz na posição correta do triangulo processual e não mais como gestor de prova no processo penal.


REFERÊNCIAS

LOPES JR, Aury. Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

PRADO, Geraldo. Limite às Interceptações Telefônicas e a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. Empório do Direito. Florianópolis, 2016.

SOUZA, José Barcelos De. Boletim IBCCrim. Novas Leis de Processo: inquirição direta de testemunhas. Identidade física do juiz. Ano 16., nº 188, julho, 2008.

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