A lavagem de dinheiro – também conhecida como blanchiment d’argent ou money laundering – é um crime econômico-financeiro e para ser tipificada devem ser preenchidas duas etapas: na primeira, a prática de crime antecedente, que possua resultado econômico; na segunda, basicamente, o autor deve ocultar ou dissimular o produto econômico do crime cometido na primeira etapa.
A despeito da complexidade do crime em análise, pode-se sintetizá-lo, para fins didáticos, em ao menos três principais etapas: ocultação (colocação), estratificação (escurecimento) e integração (ou lavagem propriamente dita) dos bens, direitos ou valores de origem ilícita.
Em linhas gerais, na primeira fase, o agente empreende medidas para esconder (ocultar) os proveitos do crime. Na segunda fase, considerada como um dos momentos mais sensíveis da operação, o agente busca afastar o caráter ilícito dos proveitos valendo-se, geralmente, de complexas operações financeiras. Por fim, na terceira fase, o agente reinsere o produto do crime no mercado financeiro com aparência de licitude por meio de mecanismos de reinversão.
Pois bem. No compreender do presente estudo, o crime de lavagem de dinheiro somente existirá se houver ao menos uma infração penal praticada anteriormente que venha a configurar a origem ilícita do enriquecimento obtido. Trata-se, portanto, de crime derivado de outro(s).
Anteriormente às alterações trazidas pela Lei nº 12.683/2012, estava estabelecido um rol de delitos específicos chamados de “crimes antecedentes” que estariam aptos a caracterizar a lavagem, entre os quais tráfico de entorpecentes; terrorismo e seu financiamento; contrabando, tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; extorsão mediante sequestro; crime contra a Administração Pública; corrupção; e crime contra o sistema financeiro.
No entanto, empós o advento da Lei nº 12.683/2012, o rol de crimes foi abolido, passando-se a considerar que qualquer ilícito poderia dar origem à lavagem de dinheiro, ou mesmo nenhum crime, apenas uma contravenção seria suficiente. Fora abolido o rol de crimes antecedentes, passando-se a considerar qualquer infração penal como geradora de lavagem.
Mas ela há de existir pontualmente. Crítica à parte, será considerada infração penal antecedente o fato típico e antijurídico classificado como crime ou contravenção penal.
É importante frisar que para condenar o agente pelo crime de lavagem de dinheiro, deve existir prova inequívoca apontando a materialidade. Portanto, o simples indício do ilícito prévio do crime antecedente não basta para condenar o agente pelo delito de lavagem de dinheiro.
Nesse ponto, encontra-se na doutrina as hipóteses nas quais o crime antecedente não caracterizará a lavagem de dinheiro: “se houver absolvição por inexistência do fato (cpp, art. 386, i), por falta de provas da existência do fato (cpp, art. 386, ii), por não constituir o fato infração penal (cpp, art. 386, iii), ou por haver circunstâncias que excluam o crime (cpp, art. 386, vi, primeira parte), não será possível a lavagem de dinheiro”.
Verifica-se, portanto, que apesar da autonomia disciplinada o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 12.683/2012, a doutrina alerta para os casos em que o desfecho no julgamento do crime antecedente terá consequências diretas no julgamento do delito de lavagem de dinheiro.
Não bastasse, não é suficiente somente a prova de uma infração prévia, senão que também se prove que os bens procederam dela.
Isso se deve ao fato de que o legislador, ao redigir o tipo penal de lavagem e após definir os verbos que compõem a figura típica, utilizou a palavra “infração penal”, ou seja, para haver lavagem de dinheiro é necessário que os bens ocultados ou dissimulados, por exemplo, provenham de uma das “infrações penais” previstas na legislação brasileira.
Nem se diga, ademais, que o dolo – que deve ser direto e específico – constitui o elemento subjetivo do tipo e pode ser compreendido como “o conhecer e o querer os elementos objetivos típicos”.
Com efeito, para a efetiva caracterização da lavagem, compreende-se que o agente deve ter a intenção e a consciência de que está ocultando ou dissimulando dinheiro/bens advindo das tais infrações penais antecedentes. Para mais, em todas as ações de que o agente participe, deve saber que concorre para a prática da lavagem de dinheiro , ou melhor, a conduta do agente deve estar dirigida à ocultação, o que significa que o sujeito atua de forma e finalidade específica para a prática da lavagem.
Em suma, o entendimento aqui operado é no sentido de que para que uma conduta seja adequada ao crime de lavagem de dinheiro, além da constatação objetiva da ocultação ou da dissimulação, deve restar demonstrado também que o agente conhecia a procedência ilícita dos valores e agiu com consciência e vontade de mascaramento , a partir da prática de uma infração penal antecedente.