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Maio Vermelho e o novo modus vivendi do PCC


Por Diorgeres de Assis Victorio


Dando continuidade ao estudo do episódio que ficou conhecido sobre a “alcunha de Maio Vermelho” verifiquei que na verdade não ocorrera um episódio nas mesmas proporções a maio de 2006, mas observei que há fatos isolados nas Unidades Prisionais, fatos esses que passam desapercebido pela mídia e consequentemente pela população de um modo geral. Importante mencionar que esse fato se encerrara em virtude de um acordo entre líderes do PCC e o governo estadual, o que até hoje é negado pelo Estado. Vejamos o que o Delegado José Luiz Ramos Cavalcanti nos disse em seu depoimento a polícia civil sobre esse fato:

“Que o depoente soube, a partir da conversa entre o Corregedor Ruiz e o Diretor Luciano que o preso que viria para a entrevista seria o “marcola” (sic). Ingressaram no presídio onde agentes penitenciários introduziram “marcola” naquele ambiente; Que o depoente, o Comandante da Polícia Militar, a advogada e o corregedor sentaram paralelos a uma mesa e “marcola” foi colocado sentado, de frente, na ponta oposta aquele aparato de móveis; Que /‘Marcola (sic) iniciou a conversa; Que a advogada tentava convencer “marcola” a falar por telefone com outros presos para que dissesse que estava bem e que os outros presos que estavam em Bernardes também estavam bem e que isso faria cessar os atentados; Inicialmente “marcola” disse que a advogada era inocente (sic), pois não poderia mandar parar aquilo que ele não havia começado. Que a advogada ponderou que estava morrendo muita gente na rua (…) “Marcola lamentava a morte de todos (…) Que a advogada insistiu dizendo que se “marcola” dissesse que estava bem tudo cessaria e ele disse que se fosse só isso ele pediria para chamar outro preso, o LH (…) Que LH foi trazido para a sala e “marcola” disse que se ele quisesse ele poderia falar no telefone e dar a mensagem solicitada pela advogada; LH concordou e a advogada entregou o seu telefone que já havia um número previamente gravado na memória para onde LH ligou e conversou com uma pessoa desconhecida do depoente; Que o depoente não ouviu LH dar ordem para parar, porém ele sugeriu que se eles quisessem parar ou continuar estava tudo bem”.

Não me causa estranheza e imagino que também a nenhum dos leitores deste Canal, que Marcola não queira falar ao telefone e que também as ordens não foram dadas claramente. Se imaginássemos que isso iria ocorrer seria muita ingenuidade de nossa parte não é mesmo? Não estamos lidando com perfis criminológicos de “presos comuns” eles são “profissionais do crime”, pessoas que se dedicam habitualmente no cárcere a contornar todo tipo de ciladas e armações, são membros de uma organização criminosa, a mais temida de todas.

A história do PCC nos mostra que, desde os atentados em 2006, o sistema prisional paulista está uma calmaria. Não ouvimos falar de rebeliões com dano ao patrimônio, agentes reféns em motins e homicídios de celerados no cárcere, casos somente isolados e muitas vezes mascarados por “Gatorade” que é uma droga que é composta de Viagra, com cocaína e ingestão de Maria Louca (que é a pinga feita nos alambiques artesanais da cadeia, feita com a utilização de arroz e laranja). A mistura gera overdose nos presos e muitas vezes muitos inquéritos são concluídos não por um homicídio, pois eles são obrigados a ingerir esse coquetel de drogas (morais e imorais (como porta-voz da LEAP-Brasil prefiro utilizar essa terminologia de drogas morais e imorais ao invés de lícitas e ilícitas) e sim muitas vezes por um ataque cardíaco e etc.

Para que consigamos realmente encontrar indícios do que o educando (prefiro usar a terminologia educando ao invés de reeducando, pois a maioria ali via de regra não teve a oportunidade de ser educado corretamente e agora está na verdade sendo “educado” pela organização criminosa PCC) fora morto, temos que investigar profundamente os fatos, estando cientes que muitas vezes só teremos informações de “línguas-pretas” (“caguetas”, informantes) e que esse criminoso nunca aceitará colocar o que ele testemunhou no papel em um termo de declarações, afinal de contas no cárcere não existe delação premiada, pois a pena a essa prática será a morte do mesmo.

Então o PCC agora conta mais com uma outra forma de agir, não pela prática de violência no cárcere (fora raríssimas exceções), mas com o emprego de intimidação, pois não quer mais que ocorram essas demonstrações públicas, seu objetivo é apadrinhar cada vez mais membros para que assim possa com maior possibilidade dar continuidade a expansão dos seus negócios com drogas imorais, pois o seu maior lucro é gerado pela distribuição e tráfico de drogas imorais. Mas é importante mencionar que essas mesmas drogas em uma outra época geraram muitas mortes no cárcere, só que agora os tribunais do PCC ao efetuarem seus julgamentos tem entendido quando da sentença que podem aplicar uma outra pena alternativa que não seja necessariamente a prática da pena capital.

“Se não pagar [a dívida de drogas] acaba tendo todos os pelos do corpo raspados (sobrancelha, cabelo, cabelo do peito). Na sequência vai perder a cama e apanhar toda hora. Não vai mais dormir em seu colchão e vai ficar o tempo todo no banheiro. Sua roupa será dada para os outros e sua cueca será transformada num fio dental, com que ele vai ter de desfilar, com a boca cheia de batom” (NEGRINI, Pedro Paulo. Enjaulado: O amargo relato de um condenado pelo sistema penal. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. p. 55)

Obviamente depois de todo esse “esculacho prisional” não tinha outra alternativa ao recluso a não ser pedir “seguro” e nisso a sua vida no crime estava mais condenada ainda, mesmo que ele venha a pedir transferência a uma outra unidade prisional, pois será tratado (ver Criminologia, teoria da etiquetagem) como um preso sem “proceder” e logo “sem futuro” no cárcere, gerando muitas vezes casos de demência e até mortes.

Mas o que me causa estranheza é o fato (que foi massivamente divulgado pela mídia) da rebelião no CDP de São José dos Campos no dia 26 de maio próximo, ter gerado dois homicídios e o prédio dessa instituição que deveria ser de emenda do criminoso, ter sido quase que totalmente destruída. Já era difícil ocorrer uma morte no sistema, morte essa decretada pelos tribunais do PCC, imaginem então a decretação de duas penas capitais e destruição do prédio.

O que pude constatar durante esses dias é que algumas unidades se precaveram com o tal “maio vermelho” e efetuaram algumas remoções estratégicas de alguns “certos” sentenciados, o que sem sombra de dúvidas interfere pelo menos em um curto período de tempo as intenções do PCC em algumas unidades prisionais. Outras unidades tiveram seus Raios (pavilhões) amotinados o que não foi divulgado pela imprensa em razão da mesma nem ter sido informada. Mas estou feliz com o fato que não existiu a tal comemoração do PCC, bem, pelo menos não do mesmo modo como ocorrera em 2006 não é mesmo?


REFERÊNCIAS

NEGRINI, Pedro Paulo. Enjaulado: O amargo relato de um condenado pelo sistema penal. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002.

_Colunistas-Diorgeres

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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