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Produção de informações e análise de veracidade


Por Thompson Cardoso


Quer produzir informação? Se disponha a escutar e não a perguntar. Nosso objetivo de filtrar o que é crível ou não em uma entrevista só pode ser levado a cabo se houver uma narrativa substancial. Quanto mais o entrevistado falar, mais informação aparece para filtrar. Então, atenção para esta singularidade essencial: é o entrevistado quem tem que falar muito em uma entrevista bem sucedida, e não o entrevistador! A maior habilidade de um entrevistador é saber escutar, com toda a atenção (empatia, lembram?). Parece paradoxal, mas não é: quanto menos o entrevistador perguntar, mais informação ele obterá. Apenas mostre  total atenção ao entrevistado e ele se motivará a falar mais.

A entrevista deve iniciar, portanto, com o entrevistado sendo instado a fazer um relato livre dos fatos e circunstâncias a respeito dos quais o entrevistador busca informações. Estabelecida a empatia (coluna anterior), faça uma demanda abrangente ou uma pergunta aberta, tal como “Fale-me o que aconteceu”, e mantenha sua atenção no conteúdo do relato.

Como já chamei à atenção nas colunas anteriores, temos uma grande quantidade de variáveis a observar, e duas linhas técnicas a desenvolver: a produção de informações e detecção de enganações, e as estratégias de questionamento em uma audiência ou um júri, utilizando-se destas informações devidamente depuradas quanto à sua credibilidade.

O foco de hoje é na análise do conteúdo e qualidade da narrativa baseada em critérios pré-estabelecidos, na linha do CBCA (Content Based Criteria Analysis) adotados pela Alemanha, Suécia, Holanda e alguns estados americanos. Segundo a legislação nestes países, estes critérios são aplicáveis como meio de prova em ações penais, integrando um Manual de Validade de Testemunho. No Brasil, sem legislação que contemple a análise de veracidade de um depoimento como meio de prova, o advogado deve utilizar-se de seu conhecimento destes critérios para identificar as enganações, estruturar seus questionamentos e expor ao juiz as enganações detectadas no mesmo.

Mas, antes de discorrer sobre alguns critérios de análise, é importante que o entrevistador se liberte de alguns mitos que, justamente por serem mitos, não correspondem à realidade. Sinais corporais não são indicadores de veracidade confiáveis. São qualificadores importantíssimos em uma análise de veracidade mas, se utilizados de forma absoluta, nos levarão a incorrer em erros bem maiores na identificação de mentiras do que se não forem levados em conta. Crenças tais como a que manter contato visual=credibilidade, falar com braços ou pernas cruzadas=disposição para mentir, falar nervoso=mentir, e que alguns padrões de dinâmica ocular transmitem informações quanto ao entrevistado estar criando (mentindo) ou buscando na memória (dizendo a verdade) precisam ser descartadas. Todos estes e tantos outros sinais não verbais precisam ser contextualizados para serem validados. Assunto pra futuras colunas. Nesta coluna e pelo menos na próxima, vamos discorrer sobre os critérios de análise de um discurso que sejam efetivamente indicadores de veracidade ou de não veracidade.

Critério 1 – apesar de apresentar uma estrutura lógica em sua narrativa, quem relata vivências reais não costuma fazê-lo de forma perfeitamente estruturada. Um discurso perfeitamente estruturado e controlado é típico de quem se preparou para sustentar uma mentira. O relato íntegro tem naturalidade, e naturalmente costumamos organizar as ideias conforme vamos acessando nossas memórias, o que gera a produção de informações sem respeitar uma estrutura racional, lógica e perfeita. Quando um advogado “prepara bem” uma testemunha, normalmente isto transparece no discurso controlado e perfeitamente estruturado. Isto não significa que ela esteja mentindo, mas se estiver vai ter este comportamento. Estamos falando de um critério. As conclusões em uma análise de veracidade são resultantes de uma análise sistematizada de diversos critérios, conforme veremos nos nossos próximos encontros quinzenais por aqui, para que então estruturemos nossos questionamentos.

Critério 2 – análise dos detalhes relatados. Normalmente detalhes são indicadores de acesso a blocos de memória, e traduzem vivência do fato narrados. Mas…como eu disse, normalmente. A análise técnica que deve ser feita não é quantitativa, mas sim qualitativa. Os detalhes são apresentados ilustrando a narrativa ou reforçando a narrativa?! Observem que temos que lidar aqui não só com uma constatação, mas com a avaliação/interpretação do entrevistador. Em um relato verdadeiro os detalhes passam a integrar o discurso na exata medida em que ao acessar a sequência de blocos de memória as memórias destes detalhes passam a ser recuperadas, pois o narrador ao se colocar mentalmente nas cenas buscadas em suas memórias passa a “enxergar” detalhes em cada cena e naturalmente os referencia. Considerando-se a análise do critério anterior, o normal em um depoimento verdadeiro é que os detalhes apareçam também de forma desestruturada, aleatoriamente acompanhando as memórias recuperadas e, atentem: relatos verdadeiros têm detalhes totalmente irrelevantes, supérfluos ou incomuns!

Eles não estão sendo inseridos, estão apenas sendo relatados à medida que vão “aparecendo” durante os acessos aos diversos blocos de memória. Mas importante ressaltar que nossas memórias não são fiéis fotografias de nossas vivências, e sim impressões pessoais destas, portanto fundamental que não se julgue alguém como mentiroso quando algum detalhe nos parecer estranho aos fatos ou contraditório em relação a informações que previamente detenhamos sobre os fatos. Voltaremos a falar disto quando eu abordar as falsas memórias. Já em um relato que não corresponda à verdade dos fatos, os detalhes aparecem de forma diferente: eles aparecem sempre como um argumento de credibilidade do fato relatado. São detalhes que não aparecem para ilustrar, mas para convencer. E normalmente quem se preocupa em tentar convencer alguém que seu relato é verídico é justamente quem mente. Quem diz a verdade não tem esta preocupação.

Acompanhei, junto a um advogado, o inquérito policial e o processo penal dele decorrente, de um homicídio, com depoimentos de testemunhas e indiciados que se estenderam por quatro anos entre inquérito e processo. Os depoimentos de um dos indiciados pelo crime em epígrafe nunca se alterava, mesmo com o passar dos anos. Era o mesmo discurso, com a mesma enorme quantidade de detalhes, nunca demandados nas oitivas policiais ou audiências judiciais, mas que estavam ali cumprindo sua “função” de tentar convencer. Ressalto: nunca foram feitos questionamentos que suportassem como resposta os detalhes no depoimento do indiciado.

Ele simplesmente os colocava no discurso como se evidências fossem. Este sujeito era um mestre na arte de mentir. Infelizmente o juiz não era um mestre na arte de identificar estas mentiras e de viés autoritário não permitiu ao advogado da vítima que os questionamentos que o orientei a fazer, fossem feitos exatamente da forma que foram construídos, deixando que o indiciado discorresse sempre um discurso eivado de detalhes (os mesmos detalhes de sempre) com o único objetivo (infelizmente atingido) de convencer o juiz de que falava a verdade. Minha expectativa é que você, acompanhando minhas colunas, não permita que isto aconteça.

Lembra-se da coluna anterior?! Empatia com o juiz é fundamental. Ele normalmente não tem o domínio dos fatos até que se concluam as audiências, mas têm o domínio das possibilidades e impossibilidades da produção de informações e da sua perfeita exploração nas audiências. Estude o processo. Entreviste todos os intervenientes possíveis. Obtenha o domínio dos fatos em decorrência de análise técnica da veracidade dos depoimentos. Estruture seus questionamentos de forma planejada e de forma oportuna em razão das audiências serem dinâmicas. Busque empatia com o juiz. Tenha o controle do seu processo. Dia 16/2 continuaremos a discorrer sobre os demais critérios de análise de um discurso.

Até nosso próximo encontro. Abraço!

_Colunistas-Thompson

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