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Há lavagem de dinheiro antes do julgamento do crime antecedente?

Por Cezar de Lima

O crime de lavagem de dinheiro é considerado um delito acessório ou parasitário, ou seja, depende da ocorrência de outra figura típica para o seu aperfeiçoamento.[1]

Com a publicação da Lei nº 12.683/12, todo e qualquer crime ou contravenção penal que gere bens ou valores ilícitos pode ser considerado infração penal antecedente ao delito de lavagem.

A luz dos limites fixados pela Convenção de Viena, a qual determina que será considerado delito antecedente as condutas cuja pena máxima não seja inferior a quatro anos, o legislador retrocedeu ao possibilitar que qualquer infração penal possa ser considerada antecedente a lavagem de dinheiro.[2]

Crítica à parte, será considerada infração penal antecedente o fato típico e antijurídico classificado como crime ou contravenção penal.[3]

Assim, considerando a característica de crime acessório fica a dúvida: Seria possível processar e condenar o sujeito por lavagem de dinheiro antes mesmo do julgamento do crime antecedente?

À primeira vista, muitos responderiam de forma negativa, no entanto, equivocadamente, a legislação abriu a possibilidade de condenar o sujeito pelo crime acessório mesmo que o delito antecedente não tenha sido sequer processado.

O art. 2º, inc. II da Lei nº 9.613/98, determina expressamente que o processo e o julgamento do crime de lavagem de dinheiro não dependem do processo e do julgamento do crime antecedente, mesmo que praticado em outro país.

Sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou[4] dizendo que não é possível trancar um inquérito policial se configurado que a investigação recai sobre outros crimes autônomos em relação à sonegação fiscal, como exemplo o crime de Lavagem de dinheiro.

Essa autonomia ao crime de lavagem de dinheiro permite, de forma equivocada, que o sujeito seja responsabilizado pelo crime acessório apenas com a existência de meros indícios do crime antecedente.

Apesar disso, é importante frisar que para condenar o agente pelo crime de lavagem de dinheiro, deve existir prova inequívoca apontando a materialidade. Portanto, o simples indício do ilícito prévio do crime antecedente não basta para condenar o agente pelo delito de lavagem de dinheiro.

Nesse ponto, encontramos na doutrina as hipóteses nas quais o crime antecedente não caracterizará a lavagem de dinheiro: “se houver absolvição por inexistência do fato (cpp, art. 386, i), por falta de provas da existência do fato (cpp, art.386, ii), por não constituir o fato infração penal (cpp, art. 386, iii), ou por haver circunstâncias que excluam o crime (cpp, art. 386, vi, primeira parte), não será possível a lavagem de dinheiro.”[5]

Verifica-se, assim, que apesar da autonomia disciplinada o art. 2º, inc. II da Lei nº 12.683/12, a doutrina alerta para os casos em que o desfecho no julgamento do crime antecedente terá conseqüências diretas no julgamento do delito de lavagem de dinheiro.[6]

Em suma, apesar das críticas feitas em relação à expansão demasiada dos crimes antecedentes e da autonomia do crime de lavagem de dinheiro para o seu processamento, acredito que em determinados casos deve haver a flexibilização do inc. II, art. 2º da Lei nº 12.683/12, nos termos do que é sustentado pela doutrina, sob pena de estarmos afrontando as garantias do indivíduo no processo penal.


[1] MAIA, Carlos Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 2007. p.22.

[2] Art. 2º, alínea “b”, do Decreto nº 5.015/04 – Convenção de Palermo.

[3] BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/98, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.87.

[4] BRASILIA, Superior Tribunal De Justiça, Sexta Turma, HC 243.889/DF, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Data do Julgamento: 14/05/2013. Disponível aqui. Acesso em: 24 agosto 2013.

[5] BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique, Ibidem p.90.

[6] DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p.208.

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