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Advocacia, lavagem de capitais e omissão imprópria

Nas semanas anteriores esta coluna tratou da possibilidade de responsabilização penal do advogado enquanto garantidor do bem jurídico nos crimes de lavagem de capitais.

O assunto foi abordado sob o viés constitucional e sob a perspectiva das normativas internacionais que serviram de base para a nossa legislação acerca do tema, em especial no que diz respeito às alterações trazidas ao texto original pela Lei 12.683/12.

Hoje a proposta é tratar do tema sob o ponto de vista dogmático penal.

Assim, a questão central que ocupa a coluna desta semana é: pode o advogado ser considerado como garantidor, ficando como responsável por impedir que se concretize o delito de lavagem de capitais, atuando como delator das atividades de seus clientes?

Antes de tentar oferecer uma resposta à esta questão é preciso ressaltar que as próximas linhas se limitam a situação concreta em que um advogado recebe conhecimento de atividades que poderiam levantar suspeitas quanto a origem de recursos de algum de seus clientes e não a situação em que o advogado, sabendo claramente da origem ilícita, aceita participar de uma operação de ocultação/dissimulação destes recursos, incorrendo assim na conduta delineada pelo próprio caput do art. 1º da Lei 9.613/98.

Também não se estará tratando da possibilidade trazida pelo art. 1º, § 1º, I ou II da referida lei, que admite e mesma pena para aquele que “recebe” e/ou “converte em ativos lícitos” valores provenientes de infração penal com o fim de “dissimular ou ocultar” sua origem ilícita.

A resposta que se procurará oferecer neste momento trata de hipótese distinta, em que a responsabilização de se daria sob a forma omissiva imprópria, na configuração dada pelo art. 12, IV da Lei 9.613/98:

Art. 12. Às pessoas referidas no art. 9º, bem como aos administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelas autoridades competentes, as seguintes sanções:
IV - cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento.

Ainda que a lei fale de “sanção” e não de “pena” e que o art. 12 abra o capítulo sobre Responsabilidade Administrativa, não parece razoável estruturar uma medida tão séria como cassação (ou mesmo suspensão) para o exercício de atividade, dentro de uma lei que se destina a dispor sobre o crime de lavagem”, através de tratamento dogmático meramente administrativo, senão pela aplicação do ferramental provido pela teoria do direito penal, estruturada sobre elementos constitucionais de garantia.

Essa assertiva é reforçada pelo de que, fosse o caso de mera aplicação da sanção administrativa de impedimento para exercício de atividade profissional, bastaria o que já está previsto no art. 34 da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

Se a lei sobrepõe a este instrumento legislativo sancionador uma nova possibilidade, específica, de cassação ou suspensão, ela precisa ser analisada sob a lógica das penas restritivas de direito, na modalidade de interdição.

Adianta-se, porém, que ainda que seja definitivamente o caso de analisar o disposto no art. 12 da Lei 9.613/98 sob a ótica da dogmática penal, vislumbra-se a resposta afirmativa para questão principal levantada, uma vez que não parece existir um óbice capaz de afastar esta forma de responsabilização penal nos moldes dados pela lei, conforme passa-se a demonstrar.

Para elucidar a viabilidade de responsabilização do advogado na forma omissiva imprópria, sob o ponto de vista dogmático ao menos, dentro do que estabelece e lei de lavagem de capitais, será preciso a compreensão dos elementos típicos desta modalidade delitiva.

Juarez Cirino dos Santos (2014: 203) leciona que, na omissão imprópria, para que esta seja típica, além da situação de perigo, do poder concreto de agir e da omissão da ação mandada em si é necessário o preenchimento adicional de dois requisitos específicos: o resultado típico e a posição de garantidor.

Quanto ao resultado típico, o critério mais seguro vislumbrado pela doutrina, ante a ausência de um nexo causal naturalístico, é o da probabilidade nos limites da certeza. Não é este, porém, o momento para tratar demoaradamente desta questão.

Com respeito ao segundo requisito, vigora na doutrina a adoção de critérios materiais para imposição da posição de garantidor, o que significa que, por um lado, atribui-se o dever de proteção de pessoas ou bens jurídicos determinados, e de outro a garantia de vigilância de fontes de perigo determinados para proteger pessoas indeterminadas (Santos, 2014: 205).

Ainda segundo Juarez Tavares, o tipo de injusto omissivo impróprio engloba “todos aqueles elementos ou pressupostos que se associam à inação e fundamentam o dever de agir e o conteúdo do injusto” (Tavares, 2012: 355).

De acordo com a lição do autor, não dizem respeito ao tipo apenas os fundamentos do dever, mas também os resultados que se quer evitar e em que circunstâncias (limites) a omissão será equiparada a ação. Além disso, os deveres impostos só serão legítimos se levarem em conta o substrato social em que o agente vinha inserido e no qual a omissão ocorreu.

Partindo dessas lições, que procuram oferecer limites dogmáticos concretos à imputação penal na forma omissiva, atribuindo um dever específico a pessoas específicas, no sentido de evitarem a lesão a um bem jurídico com o qual guardam alguma relação de responsabilidade pessoal, não se observam obstáculos instransponíveis para que o advogado venha a figurar como garantidor no crime de lavagem de capitais, nos limites do dever de comunicar atividades suspeitas às autoridades competentes para investigação.

Essa constatação é importante porque permite a percepção de que o afastamento desta forma de responsabilização não pode se dar sob a pura análise legislativa, ou mesmo sob critérios dogmáticos em si, mas precisa ser alcançada através dos elementos apontados nas semanas anteriores, a saber, a estrutura constitucional do papel do advogado e a leitura conjunta da lei nacional de lavagem de capitais com os documentos normativos supranacionais que procuram regular a matéria e estabelecer um padrão internacional de combate a esta modalidade de delito.

Caberá, por fim, à coluna da próxima semana, a reflexão acerca da colocação do advogado como garantidor no crime de lavagem de capitais a partir de questões de política criminal e adequação social da conduta profissional analisada.


REFERÊNCIAS 

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 6 ed. Curitiba, PR: ICPC: 2014. 

TAVARES, Juarez. Teoria dos Crimes Omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2012.

Paulo Incott

Mestrando em Direito. Especialista em Direito Penal. Advogado.

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