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Mecanismo de defesa na prisão de estrangeiro em território brasileiro

Mecanismo de defesa na prisão de estrangeiro em território brasileiro

Por Carolina Gevaerd e Marcos Paulo Silva dos Santos

Eis que um belo dia, no exercício do nosso métier, nos deparamos com uma ligação de uma família totalmente desamparada, buscando contratação para prestação de serviços jurídicos, alegando que um cidadão estrangeiro foi preso em flagrante em território brasileiro.

O que fazer para assegurar os direitos fundamentais daquele preso – e possível cliente –, já que se trata de cidadão estrangeiro? Há alguma diferença procedimental? Algum ponto-chave para observarmos?

Sem dúvidas. E não vamos muito longe: o ponto-chave é justamente o início de todo o procedimento.

No dia 18 de janeiro de 2017, o Ministério da Justiça e Cidadania, sob a rubrica do Ministro Alexandre de Morais, publicou a Portaria 67/2017, que tem por finalidade o cumprimento do disposto no artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 – CVRC, internalizada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 6, de 1967, e promulgada pelo Decreto nº 61.078, de 26 de julho de 1967, que prevê direitos subjetivos ao estrangeiro restringido em sua liberdade.

Com efeito, a Portaria nº 67/2017, publicada no Diário Oficial da União, inspira-se, claramente, no entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), aprimorando o diálogo internacional com a nossa corte local de direitos humanos, já que a interpretação mais benéfica do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, ao acusado estrangeiro, é aquela trazida pela Portaria, que, muito além de expressar a correta interpretação, aprimora a efetividade da norma.

Ela aduz que a notificação do próprio Consulado constitui garantia fundamental e indisponível que assiste a qualquer pessoa estrangeira presa em território sujeito à soberania de qualquer outro Estado nacional.

E que o descumprimento da determinação – inclusive internacional –, em razão da simples omissão das autoridades brasileiras, acarretará obrigatoriamente na invalidação da prisão do estrangeiro e dos atos subsequentes da persecutio criminis, por força da violação à cláusula constitucional do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal).

Aliás, a Portaria também dá interpretação legal ao comando do artigo 36 da CVRC, expondo que a inobservância do comando legal configurará situação de ofensa a uma prerrogativa jurídica, de caráter fundamental, que constitui direito básico do estrangeiro preso.

Para mais, o Supremo Tribunal Federal, na Prisão Preventiva para Extradição (PPE) 726/DF, em lavra do Ministro Celso de Mello, sustentou que “a correta interpretação do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares exige a notificação consular no exato momento da prisão do estrangeiro e, em qualquer caso, antes que o preso estrangeiro preste a sua primeira declaração diante da autoridade competente, em todos os tipos de prisão, inclusive cautelar (em flagrante, temporária, preventiva e outras)”.

Além de informar ao Consulado sem demora, as autoridades brasileiras também são obrigadas a dar ciência ao estrangeiro preso que ele tem o direito de comunicar-se com o respectivo agente consular, diz o Ministro, nos moldes no artigo 36, 1, ‘b’, in fine, da Convenção.

Para tipificar, a Portaria, inclusive, já resolve em seu artigo 1º que todas as autoridades policiais devem fiscalizar a notificação consular decorrente da aplicação do artigo 36 da Convenção, impondo que todas as autoridades brasileiras cientifiquem, without delay, a autoridade consular do país a que pertence o estrangeiro, sempre que este for preso, em qualquer que seja a modalidade da prisão – não sendo cabível somente em casos de extradição.

O Ministério Público, a fim de adequar a correta interpretação da Convenção de Viena, seguindo a orientação do Ministro do Supremo Tribunal Federal, publicou a mesma recomendação por intermédio do Conselho Nacional do Ministério Público, reconhecendo que a determinação internacional e recepcionada pelo Brasil nem sempre estava sendo cumprida pelas autoridades brasileiras, de forma a violar direitos constitucionais do preso.

Não somos os únicos. O entendimento norte-americano, inclusive roborado pelo entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, também é no sentido de que toda prisão de estrangeiro dentro do território nacional deverá ser informada imediatamente ao Cônsul de seu país de origem, antes de qualquer declaração sua diante da autoridade competente, bem como deverá ser imediatamente informado ao preso estrangeiro o seu direito de contato com o seu país de origem, um e outro sob pena de nulidade da prisão e consequentemente de todos os atos seguintes do processo.

Quer dizer, nós, Advogados e Advogadas Criminalistas, devemos, com toda a cautela necessária, em caso de prisão de cliente estrangeiro, fiscalizar o cumprimento dessas determinações desde o nascimento do procedimento, a fim de verdadeiramente assegurar os direitos fundamentais de nossos clientes.

Destarte, observamos que são diversos os mecanismos de defesa  assecuratórios de direitos do cidadão estrangeiro preso em território brasileiro, sendo que em caso de não cumprimento fiel pelas autoridades, a arguição de nulidade absoluta é bem-vinda, com base em todos os preceitos constitucionais aqui levantados, sustentando a anulação de todo o processo desde o mandado de prisão expedido, e, consequentemente, todos os demais atos, já que decorrentes de patente ilicitude, por inteligência da theory fruits of the poisonous tree, inserta no artigo 157, § 1º, do Código de Processo Penal.


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