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E quando o MP se ausenta durante a oitiva das testemunhas da Acusação?

E quando o MP se ausenta durante a oitiva das testemunhas da Acusação?

A questão da produção e gestão de provas no processo penal pode ser entendida como a sua espinha dorsal, uma vez que é através do acervo probatório, produzido mediante contraditório e ampla defesa, que poderá o magistrado proferir sentença. Ademais, tanto acusação quanto defesa traçarão suas estratégias a depender do conteúdo probatório.

Dentre as modalidades de provas previstas no Código de Processo Penal, sem dúvidas a prova testemunhal é a que possui mais incidência prática, vez que na imensa maioria dos processos criminais são elas (as testemunhas) quem trazem informações relevantes ao processo, permitindo ao magistrado tomar conhecimento dos fatos narrados na denúncia, bem como convencer-se a respeito das teses invocadas pela acusação e defesa.

No tocante à prova testemunhal, o Código de Processo Penal, após reforma provocada pela Lei 11.690/08, passou a adotar, no art. 212, o sistema inglês de inquirição das testemunhas, denominado cross examination, em que as perguntas às testemunhas são feitas diretamente pela parte que a arrolou, seguida da parte contrária.

Buscando delimitar a titularidade da gestão probatória em relação às testemunhas e, ao nosso sentir, conferir adequação do procedimento de oitiva de testemunhas ao sistema acusatório, o parágrafo único do art. 212 dispõe que “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”. 

Desse modo, resta evidente que a função do magistrado na atividade de inquirição de testemunhas é de apenas formular perguntas complementares, objetivando esclarecer elementos não abordados e dirimir eventuais duvidas existentes.

Não restam dúvidas, portanto, de que caminhou bem o legislador com a alteração do art. 212. Porém, questão que merece problematização e reflexão é no que se refere à ausência do representante do Ministério Público durante a oitiva de testemunhas arroladas pela acusação.

Comentando a respeito da ausência do Ministério Público neste ato, LOPES JR. (2016, p. 381) aduz que situação grave

[…] se dá quando o Ministério Público não está na audiência e, diante da ausência do acusador, assumo o juiz esse papel, formulando as perguntas. Nesse caso, mais do que protagonista, o juiz assume postura substitutiva do acusador, em flagrante incompatibilidade com o sistema acusatório, a imparcialidade e a própria igualdade de armas.

Entretanto, infelizmente a jurisprudência das cortes superiores (STJ e STF) tem se inclinado para o sentido de que a ausência de membro do Parquet na oitiva de testemunhas de acusação não caracteriza a nulidade, quando não demonstrado o efetivo prejuízo (REsp 1115275 / PR, HC 180868 / RS, HC 79712 / MG).

O entendimento do jurisprudencial se firma na errônea adoção da teoria das nulidades do processo civil, que as divide entre absolutas e relativas, aplicando-as (por analogia) ao Processo Penal.

No Processo Penal, “forma é garantia; forma é limite de poder” (LOPES JR, 2016, p. 478), de modo que é inadmissível a discricionariedade judicial e o casuísmo, características típicas do modelo inquisitório, onde impera o amorfismo e informalidade.

A partir de uma perspectiva processual constitucional, de natureza acusatória, há de ser observada a formalidade como garantia, onde as regras do Jogo sejam claras e os limites do exercício do poder sejam devidamente demarcados, suprimindo, portanto, ao máximo a discricionariedade do julgador.

Em que pese ser o entendimento jurisprudencial majoritário, a nulidade processual em decorrência da ausência do órgão de acusação durante a oitiva das testemunhas por ele arroladas é gritante, pois ofende o sistema acusatório e a literalidade do disposto no parágrafo único do art. 212 do CPP.

Desse modo, permitir que o magistrado realize perguntas às testemunhas arroladas pela acusação em substituição ao Ministério Público, que, apesar de intimado, se encontra ausente, é prática inquisitorial.

Conclui-se, portanto, que a jurisprudência do STJ e STF é equivocada sob o ponto de vista de um sistema processual democrático e acusatório e fomenta o casuísmo hermenêutico em relação às nulidades.

Assim, resta-nos a seguinte conclusão: quando um ato é nulo? Quando o tribunal quiser, para quem ele quiser e com o alcance que ele quiser. Trata-se de verdadeira ditadura togada.


REFERÊNCIAS

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro. In: Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, Nota Dez Editora, n. 01, 2001, p. 29.

LOPES JR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal – Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

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