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O tempo e a prisão cautelar

O tempo e a prisão cautelar

Por incrível que pareça, atualmente, não se tem previsão normativa alguma que indique, de forma clara, quanto tempo uma pessoa pode ficar presa cautelarmente sem culpa formada, ausência a qual gera uma série de excessos e arbitrariedades na manutenção de prisões preventivas sem formação de culpa.

Ao primeiro olhar, apesar da ausência de normatividade nesse sentido, uma interpretação dos tratados internacionais de direitos humanos, da nossa constituição e da legislação infraconstitucional, reclama limitação temporal para a prisão preventiva, na medida em que se trata de medida excepcional e extrema, entendimento que encontra alicerce em algumas decisões e posicionamentos doutrinários.

Nesse contexto, à obviedade, os prazos necessários à formação da culpa não são peremptórios, admitindo-se dilações quando exigirem as peculiaridades do caso concreto, porém impende que sejam observados os limites da razoabilidade, em atenção ao artigo 5º, inciso LXXXVIII, da Constituição Federal.

Se tem, nesse norte, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu artigo 7º, item 5,  a qual garante que toda pessoa presa, detida ou retida […] tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo”, norma que possui status constitucional, impondo limites temporais à prisão cautelar.

Em se tratando de réu preso, deve-se dar prioridade à formação da culpa, dentro de um prazo razoável e com os olhos voltados para a provisoriedade que deve marcar a prisão preventiva, sob pena de excesso de prazo com consequências nefastas para o acusado, haja vista que se a todos são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, por consequência, conforme obtempera Nucci:

por óbvio, acompanhando tal preceito, o réu preso tem direito à duração razoável da custódia cautelar.

Frise-se que, em muitos casos, não é tarefa fácil delimitar se a custódia cautelar perdurada no tempo é desqualificada pela nota do excesso de prazo, porém, na atual conjuntura, tendo como norte a Corte Europeia de Direitos Humanos, já existem critérios objetivos para aferir a razoabilidade ou irrazoabilidade do prazo excedido pelo Estado na duração da prisão cautelar.

O ponto de arranque é a regra positivada no artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, assim disposto:

Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela […]

Percebe-se, pois, que para se concluir se um processo ultrapassou ou não o prazo razoável de sua duração e, consequentemente, determinar se uma prisão preventiva sofre de excesso de prazo, levam-se em consideração os seguintes critérios:

  1. As circunstâncias particulares de cada caso e a complexidade do litígio;
  2. A conduta processual das partes ou, mais aproximadamente, do acusado; e
  3. A conduta das autoridades responsáveis pela condução do processo, sejam elas administrativas ou judiciais.

A par disso, constatando-se a existência dos fatores acima indicados, excedendo-se o tempo razoável de manutenção de uma prisão preventiva, não se pode transferir para o particular, ainda que acusado de grave crime, as falhas estruturais e funcionais do Estado, sob pena de uma disfuncionalidade deletéria do próprio poder punitivo estatal que se antecipará para um campo que deveria ser marcado por outros requisitos e funções eminentemente cautelares.

Desse modo, além da necessidade de se posicionar contra esse encarceramento em massa incontestável no país, valendo-se, sobretudo, de prisões preventivas decretadas e mantidas à granel, chegou o momento de pedir o (re)estabelecimento do critério do prazo fixo com o fito de limitação temporal da medida cautelar segregatícia.  

Carlos Augusto Ribeiro

Advogado criminalista

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