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Anotações sobre o Projeto de Lei nº 215/15 e seus apensos

Por Marcelo Crespo

O projeto de lei nº 215/15 e os apensos nº 1.547/15 e nº 1.589/15 se encontram em avançado estágio de andamento na Câmara dos Deputados (já com parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, apresentado ontem) e merecem alguns comentários em razão das imprecisões neles veiculadas e dos evidentes equívocos propostos.

O escopo principal dos projetos em comento, segundo consta dos documentos legislativos, seria tornar “mais rigorosa a punição dos crimes contra a honra cometidos mediantes disponibilização de conteúdo na internet ou que ensejarem a prática de atos que causem a morte da vítima.” Nesta perspectiva pretende-se alterar não só o Código Penal, mas também o de Processo Penal e o Marco Civil da Internet.  E os problemas começam justamente aí, nesta ânsia de mudar diversos diplomas legais ao mesmo tempo.

Nesta perspectiva o projeto de lei em epígrafe pretende acrescentar o inciso V ao art. 141 do Código Penal, estabelecendo como causa de aumento de pena a prática de crime contra a honra “com utilização das redes sociais”, o que, por si só, não se mostra equivocado, porque de fato, a grande repercussão e rápida proliferação das ofensas neste meio parece ter mesmo gravidade mais exacerbada.

Por seu turno, o Projeto de Lei nº 1.547, além de repetir o nº 215, acrescenta o inciso X ao art. 6º do Código de Processo Penal, para determinar que, no inquérito policial, a autoridade policial ao tomar conhecimento da infração penal, deverá “promover, mediante requerimento de quem tem qualidade para intentar a respectiva ação penal, o acesso ao sítio indicado e a respectiva impressão do material ofensivo, lavrando-se o competente termo, caso se trate de crime contra a honra praticado em sítios ou por meio de mensagens eletrônicas difundidas na Internet”.

Neste particular se pretende que a Autoridade Policial passe a agir como um tabelião de notas a fim de registrar em termo o conteúdo de páginas da Internet que veiculem ofensas à honra. No entanto, como os crimes contra a honra são, em regra, de ação penal privada, este ato, por si só, não resolve a persecução penal para a vítima. Afinal, como seria isto? A Autoridade policial providenciaria a lavratura do termo e entregaria para a vítima para que propusesse a queixa crime? Há que se considerar, ainda, que muitas das delegacias de polícia sequer tem à disposição equipamentos básicos como impressoras para providenciar tal meio de prova. Quisesse o legislador auxiliar as vítimas, talvez fosse o caso de criar uma isenção de taxas e emolumentos específica para que as mesmas pudessem lavrar atas notariais, algo semelhante ao que já ocorre com a isenção concedida aos beneficiários da justiça gratuita para determinados documentos.

Por fim, o Projeto de Lei no 1.589, em resumo:

a) acrescenta §2º ao art. 141 do Código Penal para estabelecer que, “se o crime é cometido mediante conteúdo disponibilizado na internet, a pena será de reclusão e aplicada em dobro”;

b) acrescenta §3º ao art. 141 do Código Penal para estabelecer que, “se a calunia, a difamação ou a injúria ensejarem a morte da vítima, a pena será de reclusão e aplicada no quíntuplo”;

c) altera o caput do art. 145 do Código Penal para determinar o crime não se processará mediante queixa nas hipóteses dos §§ 2º e 3º do art. 141 do Código Penal;

d) acrescenta inciso VI ao art. 323 do Código de Processo Penal para tornar inafiançáveis “os crimes de calúnia, difamação ou injúria cometidos mediante conteúdo disponibilizado na internet ou que ensejarem a prática de atos que causem a morte da vítima”;

e) altera o art. 387 do Código de Processo Penal para acrescentar explicitar que a sentença fixará valor mínimo para reparação dos danos morais e materiais causados pela infração;

f) acrescenta inciso IX à Lei nº 8.072/90 para caracterizar como hediondo o crime de “calúnia (art. 138), difamação (art. 139) ou injúria (art. 140), quando ensejarem a prática de atos que causem a morte da vítima (art. 141, § 3º)”;

g) altera a redação dos §§ 1º e 2º do art. 10, do §5º do art. 13, § 3º do art. 15, § 4º do art. 19, todos da Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, que “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”, bem como acrescenta-lhe § 3º ao art. 19, e o art. 21-A e a Seção IV, com os arts. 23-A e 23-B;

As impropriedades do projeto nº 1589 são muitas, passando: a) pela desproporcionalidade de se determinar que o crime passe a ter pena dobrada e regime de reclusão porque tal regime é incompatível com a pena arbitrada; b) pela desproporcionalidade de se arbitrar que as penas seriam aplicadas no seu quíntuplo caso das ofensas a honra decorresse a morte da vítima; c) pela desproporcionalidade e banalização do conceito de crime hediondo pelo acréscimo de hipótese de crime contra a honra; d) pelos remendos mal feitos e indevidos no Marco Civil da Internet ao trazer determinações quanto à requisição e guarda dos registros de conexão e ao prever tipificação para que “requerer ou fornecer registros de conexão e registros de acesso a aplicações de internet fora das hipóteses autorizadas em lei”.

Eis, portanto, uma clara situação em que o verdadeiro “crime” está nas alterações afobadas e descabidas na legislação. Evidentemente os impropérios pretendidos merecem muitas outras linhas refutando-os, minudentemente, o que será minudenciado em outro trabalho. Vamos acompanhar e evolução do projeto e tecer comentários mais detalhados em um próximo artigo.

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Marcelo Crespo

Advogado (SP) e Professor

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