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ANPP e crime tributário: possível, mas inviável

ANPP e crime tributário: possível, mas inviável

O acordo de não persecução penal, introduzido de maneira sólida no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei nº 13.964/19, trouxe um novo paradigma para o nosso processo penal: uma possibilidade mais ampla de negociação processual penal, desde que inserido em determinadas balizas. Todavia, como toda grande mudança, gera grandes questionamentos quando cotejados com o sistema penal posto e aqui se pretende analisar uma dessas várias facetas.

A Lei nº 8.137/1990 é uma das legislações específicas que define crimes contra a ordem tributária, sendo as práticas mais comuns a supressão ou redução de tributos por meio de omissão, fraude, falsificação, não fornecimento de documentos obrigatórios, bem como apresentação de declarações falsas, não recolhimento de tributo ou contribuição social descontado, etc.

Como se observa ao analisar os tipos penais, as cominações legais mínimas não ultrapassam quatro anos, e preenchidos os demais requisitos objetivos e subjetivos, estarão aptos à realização do acordo. Todavia, não há benefício na anuência, tampouco no oferecimento do acordo, não por existir incompatibilidade com o crime, pois formalmente ele é adequado, mas porque há soluções menos onerosas para o investigado/acusado.

O art. 28-A do Código de Processo Penal estabelece que as condições do acordo são:

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Essas condições são alternativas ou cumulativas e o cumprimento do acordo gera a extinção da punibilidade; porém, os crimes tributários possuem regramentos específicos e mais benéficos que o acordo. O art. 34 da Lei 9249/95 define que:

Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Assim sendo, qual benefício haveria na realização de acordo de não persecução penal, em que normalmente se apresentam ao investigado mais de uma condição, sendo que realizar o pagamento extinguirá a punibilidade? A resposta é: nenhum.

Como dito, a reparação do dano para o acordo é o pagamento integral do débito tributário, e essa condição cumulada com qualquer outra, que é a uma realidade nos acordos, já seria desinteressante quando se pode somente pagar para que se extinga a punibilidade.

Mesmo na hipótese de parcelamento, o acordo também é inviável. A redação do art. 9º da Lei 10.684/2003 determina:

Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

No mesmo sentido, a redação dada pela Lei nº 12.382/2011 ao art. 83 da Lei nº 9.430/1996 reafirma que quando há parcelamento do débito tributário nos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137/90 e crimes contra a Previdência Social, dos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, a pretensão punitiva estatal ficará suspensa, e, quando pago integralmente o valor, a punibilidade será extinta:

§ 1º. Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento;

§ 2º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal;

§ 3º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva;

§ 4º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento;

§ 5º. O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento;

§ 6º. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.

O Supremo Tribunal Federal adota a posição de que o pagamento do tributo feito a qualquer tempo extingue a punibilidade do crime tributário, bem como a concessão do parcelamento tributário devidamente quitada também extinguirá (HC 116.828/SP, DJ 13/08/2013). O Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, defendeu a posição, aduzindo:

(…) não há como se interpretar o artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003 de outro modo, senão considerando que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado (HC 362.478/SP, DJe 20/09/2017).

Portanto, apesar do acordo de não persecução penal ser cabível nos crimes contra a ordem tributária ou em outros de mesma natureza, não é uma opção viável, sendo que o pagamento a qualquer tempo ou parcelamento (também cabível a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado) extinguirá a punibilidade.

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