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Atenuantes inominadas na dosimetria da pena

Atenuantes inominadas na dosimetria da pena

Os princípios jurídicos assumem um papel imprescindível no ordenamento jurídico e nas constituições modernas, haja vista seu valor normativo e sua reabilitação da razão prática e axiológica dos direitos fundamentais. Ademais, percebe-se a existência de princípios implícitos – como o da coculpabilidade – que servem de base para a produção legislativa ordinária.

Dessarte, diante do cenário da dosimetria da pena, nos deparamos na segunda fase com as figuras das atenuantes (art. 65, sendo este exemplificativo, uma vez que vem acompanhado do art. 66, ambos do Código Penal) e das agravantes (previstas taxativamente nos artigos 61 e 62 do mesmo diploma). 

Atenuantes inominadas

Contudo, nesse cenário, quando eivado de circunstâncias sociais desfavoráveis ao réu, averiguar-se-á a possibilidade de inclusão da coculpabilidade entre as atenuantes genéricas inominadas previstas no art. 66 do Código Penal Brasileiro – fruto de interpretação extensiva decorrente do resultado favorável ao acusado – em que é permitido ao juiz reduzir a cominação penal imposta ao réu em face de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, mesmo que não haja previsão expressa em lei, fundamentando-se, o referido artigo, na menor culpabilidade, no menor conteúdo do injusto do fato e ainda em considerações políticas criminais (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009)

Estando frente à Teoria da Coculpabilidade, cita-se o argentino Eugênio Raúl Zaffaroni, o qual sustenta que o agente tenha sua culpabilidade diminuída em virtude das falhas sociais que, comprovadamente, o levaram a incorrer na prática delituosa. Partilhar-se-ia, em determinados casos, a responsabilidade do agente, marginalizado e criminoso, com o Estado, omisso e injusto, tendo em vista as inefetivas prestações essenciais dispostas na Carta Política, bem como a discrepância entre o mínimo ético nas diferentes camadas sociais.

Um dos raros exemplos de uso da teoria da coculpabilidade de Zaffaroni foi usado no TJ-MG 107020629660810011 (MG, Relator Alexandre Victor de Carvalho, Data de Julgamento: 27/03/2007, Data de Publicação: 14/04/2007).

No momento em que o Estado se valer do ius puniendi, os indivíduos que serão julgados terão suas circunstâncias (em geral) analisadas de forma fria e calculista, deixando de lado o viés determinista, em que fatores internos e externos influenciam na prática da infração penal. Pois, deparamo-nos com uma iniquidade quando se trata, do ponto de vista punitivo. De igual modo aquele que teve garantida por seu extrato social todo tipo de chance de vida e aquele que não teve oportunidades de realizar seus projetos. 

Somente poderíamos estabelecer juízos paritários (isonômicos) de reprovabilidade individual pelo ato delitivo se, na análise do autor socialmente referido, constatássemos que existiu, por parte do Estado, satisfação mínima de seus direitos fundamentais (direitos de liberdade e direitos sociais, econômicos e culturais). Do contrário, estaria estabelecida uma desigualdade material, visto o tratamento ‘igualitário de desiguais’, ou seja, apesar de gerar uma situação de ‘igualdade formal’, substancialmente estaria descaracterizando o princípio da isonomia. (CARVALHO, 2001, p. 71)

Conforme denota Juarez CIRINO DOS SANTOS (2005, p. 214),

reduzir a criminalização de sujeitos penalizados permanentemente pelas condições de vida é realizar de fato uma justiça mais justa, porque considera desigualmente sujeitos concretamente desiguais. 

Para que possamos represar essas práticas aludidas, vale-se da construção doutrinária para elencar algumas situações de vulnerabilidade pessoal do agente como causas atenuadoras da pena.

São exemplos: miserabilidade extrema, custo derivado do submetimento do acusado ao processo criminal, problemas familiares e violação da razoável duração do processo, devendo ser constatáveis empiricamente, uma vez que não se trata do ressurgimento do direito penal do autor; representam, sim, um dado fático imprescindível à análise discricionária. 

Aduz Zaffaroni que

quanto mais limitada estiver uma pessoa por sua posição vulnerável, em particular pela atribuição de papéis que correspondam ao estereótipo em que se enclausura, menos autonomia terá para a realização do injusto (2012, p. 273).

E, por consequência, coerente que se restrinja a rigidez da sanção penal imposta sobre pessoas que, sendo objeto de ímpeto sociais, decidiram pela conduta delituosa com grau menor de autonomia. 

Dessa forma, há uma distribuição da culpa entre todos os envolvidos, como mecanismo idôneo de equilíbrio dessa tríade (Estado, sociedade e agente). Portanto, desde a cominação da pena em abstrato, quanto na aplicação e na execução da pena, legislador e magistrado devem atentar aos aspectos individuais e subjetivos do agente delinquente, levando em consideração, por conseguinte, os fatores socioeconômicos.

Segundo o doutrinador alemão Franz von LISZT (2006, p. 120), o reconhecimento de que o crime:

[…] tem as suas mais profundas raízes no meio social servirá de   proteção contra os exageros da ideia finalística. A convicção   da ‘culpa coletiva da sociedade’ refreará a ação repressiva do   Estado; prevenir a prática do crime parecerá coisa de maior monta e de maior valia, tanto para o indivíduo como   para a sociedade, do que punir o crime cometido. 

Por fim, reitera-se a figura dos princípios como basilares da ordem constitucional, até mesmos os implícitos, como o da Coculpabilidade, dada a sua correlação com outros princípios como o da dignidade da pessoa humana, igualdade e o da individualização da pena. 


REFERÊNCIAS

CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

DOS SANTOS, Juarez Cirino. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

LISZT, Franz Von. Tratado de doreito penal alemão. Brasília: Fac-similar, 2006. 1 v. (Coleção História do Direito Brasileiro – Direito Penal)

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2012.


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