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Prisão domiciliar humanitária

Prisão domiciliar humanitária

Quem me acompanha por aqui já percebeu que amo estudar a execução penal, sobretudo pela abrangência da função da pena também e de sua correta aplicação.

Essa semana fui surpreendida por uma cliente que se encontrava em cumprimento de pena por tráfico de drogas na fração dos 3/5 (fração para a progressão de regime para reincidentes e crime hediondo).

Ao atendê-la, implorou-me para que eu fizesse algo, afinal a sua genitora está acometida por câncer na bexiga e ovários e sua filha de apenas 18 anos parou de estudar e trabalhar para cuidar da avó. Sem contar a ação de despejo.

Saí do 3 DP, cadeia pública feminina de Londrina (PR), pensando em mil hipóteses, pois precisava fazer algo. Refleti sobre o quão difícil é conceituar a Justiça. Pensei sobre o Princípio da Intranscendência da Pena, Dignidade da pessoa humana, proteção da família, ressocialização, interpretação extensiva “in bonam partem” entre outros…

Resolvi arriscar.

Analisei os requisitos da prisão domiciliar, sem previsão legal para tanto.

Analisei novamente e resolvi fundamentar mesmo sem a tal previsão expressa. Apelei para o ato humanitário e fundamentei no informativo 504 do STF, que assegura:

A transferência de condenado não sujeito a regime aberto para cumprimento da pena em regime domiciliar é medida excepcional, que se apoia no postulado da dignidade da pessoa humana, o qual representa, considerada a centralidade desse princípio essencial, significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente no país e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.

Juntei aos autos todo o relatório e laudo clínico de sua genitora mais a íntegra da ação de despejo, solicitei que fosse realizado a sindicância para atestar a veracidade dos fatos e cruzei os dedos, afinal, esse não era um pedido qualquer.

Para o meu espanto, o Ilustre Representante do Ministério Público se manifestou favoravelmente ao pedido, argumentou que, muito embora não houvesse previsão legal expressa de prisão domiciliar no presente caso, dadas as peculiaridades comprovadas e o relevante caráter ressocializador pedido, entendeu ser possível a concessão de prisão domiciliar mediante monitoração eletrônica.

Cruzei novamente os dedos e pensei:

Ufa!

Sobreveio, então, deferimento do pedido de prisão domiciliar com o monitoramento, podendo a apenada se ausentar somente para acompanhar as consultas e sessões de quimioterapia de sua mãe.

Fiquei feliz. E sim, isso é Justiça.


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Mariana Ramos Rodrigues

Advogada, Professora de Direito Penal e Processual e Integrante do Núcleo de Advocacia Criminal

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