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Tribunal do Júri: quando aprendiz e mestre dividem a tribuna


Por Osny Brito da Costa Júnior


Recentemente tive a honra de dividir a tribuna da defesa com um dos meus grandes mestres do Júri, o renomado advogado do Estado do Amapá, Dr. Maurício Silva Pereira, causídico que participou da defesa de Macarrão no famigerado caso do goleiro Bruno. O júri ocorreu no interior do Amapá, comarca de Calçoene. Enfrentamos noite adentro (cerca de 4 horas de estrada) até o nosso destino final.

O caso que defendemos se tratava de um homicídio consumado, em que, após desentendimento prévio com a vítima, em uma festa na localidade, nosso defendido armou-se com uma faca de açougueiro, retornou e efetuou dois golpes na região das costas, deixando a lâmina encravada no corpo da vítima.

O Ministério Público sustentou que o motivo do crime teria sido o fato da vítima ter esbarrado na esposa do réu durante a festa, causando ciúmes e o ato desproporcional do homicídio. A defesa, por seu turno, sustentou que o réu teria agido sob o domínio da violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima, pois a vítima teria apalpado as nádegas da esposa de nosso defendido, bem como lhe encarado, ameaçado, fazendo inclusive menção que estava armado, e por fim, lançado uma latinha de cerveja na cabeça do réu.

O defendido tomado pelas emoções, temendo pela vida e de sua esposa, foi em casa, armou-se e praticou o crime, sendo réu confesso. Alegamos que nosso defendido era primário, tratava-se de fato totalmente isolado em sua vida, trabalhador, pai de família, utilizamos da vitimologia, ressaltando o papel que a vítima teve para a prática do crime, sustentamos que a tragédia só ocorreu pelos atos e ações da própria vítima, que se tivesse agido de outra forma o crime não teria ocorrido.

Ressaltamos o tratamento penal que estava sendo dado ao réu, esclarecemos que o Ministério Público sustentava homicídio qualificado pela futilidade, crime hediondo, destinado aos criminosos frios e calculistas, e não para um pai de família, como era o caso dos autos. Defendemos ainda a tese da exigibilidade de conduta diversa, exculpante, excludente da culpabilidade, tese supra legal, que pela soberania dos veredictos e íntima convicção os jurados poderiam absolver o réu, se na mesma situação agiriam da mesma forma, tese essa implícita no quesito “o Jurado absolve o réu”.

Um dos momentos chaves do júri foi a reprodução simulada que fizemos da cadeia dos fatos, que fulminaram o desfecho trágico do caso (simulação esta tão real que cheguei a levar de meu nobre colega uma latada). Em minha defesa, pedir que os jurados fechassem os olhos e imaginassem todos os fatos (mas sob a perspectiva do réu) e refletissem sobre qual conduta teriam.

Após os debates, chegou o momento da votação. No quesito absolvição, perdemos por maioria, mas na quesitação do homicídio privilegiado (“O réu agiu sob o domínio da violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima ?”), por 4 x 1, tivemos reconhecido o homicídio privilegiado, causa especial da redução de pena, afastando a hediondez do crime. Como se tratava de motivo, ordem subjetiva, restou prejudicada a votação da qualificadora futilidade, por serem incompatíveis.

Retornamos na mesma noite para a capital, com  sentimento de dever cumprido e mais um causo para contar.

“Ser advogado criminalista é lutar contra as injustiças, é garantir o direito de defesa, precipuamente daquele que tem no advogado o seu único porta voz; nos façamos ouvir, ainda que seja a defesa de um contra o mundo.” (Osny Brito)

_Colunistas-Osny

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