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A Controladoria-Geral da União possui poderes de investigação criminal?

Por Bruno Augusto Vigo Milanez

O ordenamento processual penal brasileiro adota um modelo bifásico de persecução criminal, estando a atividade investigativa a cargo privativo da autoridade policial (art. 144, § 1º, I e § 4º, da CR/88), sem descurar da possibilidade de outros órgãos públicos também possuírem poderes de investigação, como é o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º, da CR/88).

A extragrande maioria das investigações preliminares são conduzidas através de inquéritos policiais (arts. 4º a 23, do CPP), sabendo-se que no curso de tais investigações pode surgir a necessidade da adoção de diligências investigativas que impliquem restrição de direitos fundamentais (v.g. interceptações telefônicas, medidas de busca e apreensão, quebra de sigilo bancário e fiscal, prisão cautelar etc).

Tais medidas somente podem ser efetivadas se precedidas de prévia análise e autorização judicial concretamente fundamentada (art. 93, IX, da CR/88). É por esta razão que o Poder Judiciário assume a especial função de garante dos direitos fundamentais do cidadão investigado:

“Essa é a posição que o juiz deve adotar quando chamado a atuar no inquérito policial: como garante dos direitos fundamentais do sujeito passivo. (…) A atuação do juiz na fase pré-processual (seja ela no inquérito policial, investigação pelo MP etc) é e deve ser muito limitada. O perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo.”[1] 

Em resumo: a essencial interferência do Poder Judiciário em toda e qualquer investigação preliminar é corolário inescapável de sua função de garantia.

Ademais, sabe-se que no curso de investigações criminais, é possível a descoberta de ilícitos administrativos, o que pode engendrar a possibilidade de punição dos agentes na respectiva esfera. É por esta razão que a jurisprudência admite – ainda que de forma restrita – o compartilhamento do resultado das investigações por órgãos do Poder Público (STF – Inq 2.593, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 15.2.2011).

Este compartilhamento, em que pese admissível, é excepcional, também devendo ser precedido de autorização judicial e, por força da regra do art. 5º, XII, da CR/88, excluem-se do compartilhamento, por exemplo, os atos de investigação decorrentes de interceptação telefônica (TRF-4 – MS 25.894, Rel. Néfi Cordeiro, D.E. 5.12.2007).

A possibilidade restrita do compartilhamento de atos investigativos produzidos na fase pré processual – para fins de apuração de responsabilidade administrativa – não significa, porém, que o órgão da administração pública para o qual os elementos de investigação serão compartilhados possui poderes próprios de investigação criminal.

Assim, é possível questionar: a Controladoria Geral da União possui poderes de investigação criminal? A pergunta assume especial importância na atualidade, notadamente porque não tem sido incomum a atuação conjunta – em forma de ‘força tarefa’ – entre Polícia Federal e CGU, ou mesmo a condução quase que exclusiva de investigações criminais por este órgão.

Não é demasiado advertir que as atribuições da Controladoria Geral da União estão previstas na Lei n° 10.683/2003. Mera leitura dos arts. 17 e ss., deste diploma normativo evidenciam que este órgão possui atribuição apenas para fiscalização administrativa interna do poder público. Esta exegese é inclusive encampada pela jurisprudência do STF, segundo a qual “a fiscalização exercida pela CGU é interna (…)”[2] – g.n –

A inexistência de atribuições de investigação criminal deste órgão deriva da interpretação conferida à regra do art. 18, § 3º, da Lei 10.683/2003, segundo a qual havendo indícios de crime na atividade fiscalizatória da CGU, este órgão deverá provocar a atuação – e não atuar diretamente – da Polícia Federal e do órgão do Ministério Público.

Como parece sintomático, a CGU é órgão vinculado à administração pública e, por força da regra do art. 37, caput, da CR/88, tem o dever de observância ao princípio da legalidade.

Esta garantia assume feição dúplice e distinta: nas relações interprivadas, legalidade significa que o cidadão pode fazer tudo o que a lei expressamente não veda. Por outro lado, “no direito público vigora o princípio da legalidade estrita, segundo a qual na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.” (STJ – RMS 20.118, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 6.8.2007).

Portanto, inexistindo na lei de regência – ou em qualquer outra – previsão legal expressa que autorize a CGU a realizar investigações criminais – podendo apenas provocar os órgão de polícia judiciária para que o façam (art. 18, § 3º, da Lei 10.683/2003) -, a atuação conjunta (ou mesmo exclusiva) deste órgão na fase pré processual da persecução penal é ilegal, produzindo, via de consequência, atos investigativos ilícitos.


[1] LOPES JUNIOR, Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 260-1.

[2] STF – RMS 25.943, Rel.  Min. Ricardo Lewandowski, DJ 24.11.2010. No mesmo sentido: “Surgem independentes as atribuições da Controladoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União (…). Os primeiros são órgãos responsáveis, respectivamente, pelo controle interno e externo das contas dos administradores.” – g.n. – (STF – RMS 29.912, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 9.5.2012)

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Bruno Milanez

Doutor e Mestre em Direito Processual Penal. Professor. Advogado.

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