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A utilização de algemas no plenário do júri

A utilização de algemas no plenário do júri

Por Felipe Geitens e Tamara M. da Silva

Foi no plenário do júri da Comarca da Capital, em Florianópolis, que a defesa ficou irresignada com a manutenção de algemas nos tornozelos do acusado durante a sessão. Não se desconhece a possibilidade de seu uso em casos excepcionais, mas desde que, haja fundamentação em conformidade com a previsão da súmula vinculante nº 11.

Ocorre que o acusado ostentava condições pessoais favoráveis, não era conhecido pelo cometimento de outros ilícitos pela polícia, ou por integrar organização criminosa, sendo primário, possuía registros profissionais em sua carteira de trabalho e cumpria pena sem nenhum registro de cometimento de faltas.

Todavia, a juíza presidente limitou-se a mencionar que as

condições pessoais do réu referente ao risco à ordem pública foram mencionadas nos autos, inclusive justificando sua segregação cautelar até a data de hoje.

A “fundamentação” não esboçou qualquer elemento concreto que pudesse justificar risco ao julgamento ou de fuga pelo réu. Ainda, quando interpelada pela defesa, a magistrada afirmou que já havia determinado a retirada das algemas, e o que estava nos tornozelos do réu não se tratavam de algemas, mas de marca-passos. E que por serem discretas, não mereciam guarida pela súmula.

Então, por tratar-se de algemas de tornozelo, ou “marca-passos”, e não algemas de punho, estaria o jurado imune à contaminação?  Com certeza não.

A permanência do réu algemado indica, à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta periculosidade, desequilibrando o julgamento a ocorrer, ficando os jurados sugestionados (STF, 2008). 

A magistrada ao atribuir o nome de marca-passos às algemas de tornozelos tentou superar a súmula vinculante, se valendo de mera artimanha argumentativa para legitimar o abuso.

Observa-se que a súmula vinculante nº 11 dispõe que:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Em caso similar, em que o magistrado utilizou o argumento de o acusado estar preso, para manter as algemas, sem se basear em dados concretos, objeto da reclamação nº 22.557, o Ministro Relator Edson Fachin afastou tal posicionamento e mencionou que “O fato de o réu encontrar-se preso é absolutamente neutro”, ou seja, tal fato, isolado, sem embasamento em elementos concretos, não deve e não pode interferir na manutenção ou não das algemas. 

A decisão do Ministro vai além, salientando que sequer é necessária a presença do acusado em plenário, questionando assim: é harmônico com a Constituição manter o acusado, no recinto, na frente de jurados leigos, com algemas? (STF, 2008), ainda que “apenas” nos tornozelos? A resposta mostra-se indubitavelmente negativa. 

O Ministro Marco Aurélio da mesma forma repudia tal situação e menciona que

Manter o acusado em audiência, com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante.

Ainda menciona, que,

O julgamento no Júri é procedido por pessoas leigas, e que a permanência do réu algemado indica, à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta periculosidade.

Dessa forma, além desta situação violar súmula vinculante, viola o art. 5º, inciso III, da Constituição Federal, que proíbe o tratamento desumano ou degradante, e essa situação, de expor o réu algemado para os jurados é degradante, sem dúvida que toma o sentido de aviltante, de desonroso, de humilhante, sobretudo quando o preso é exibido à comunidade

como um troféu, como o produto de uma caça, senão abatida, pelo menos aprisionado, ali, sob ferros (STF, 2008).

Sendo assim, não fora apontado um único dado concreto relativo ao perfil do acusado, que estivesse a ditar, em prol da segurança, a sua permanência com algemas, seja nos punhos, seja nos tornozelos, o que viola frontalmente a Súmula nº 11 do STF.

Observa-se que, ainda que fosse pelo número de agentes responsáveis pela segurança inferior ao recomendado, não pode o réu pagar por uma precariedade do estado, isso porque

a deficiência da estrutura do Estado não autoriza o desrespeito à dignidade do envolvido, inexistente o necessário aparato de segurança, o adiamento da sessão deve ser realizado, preservando-se o valor maior, porque inerente ao cidadão (STF, 2008).

Assim, no presente caso a Magistrada não demonstrou a situação de excepcionalidade que justificaria a manutenção do réu algemado durante a sessão de julgamento.

Diante deste cenário, é importante lembrar que o Tribunal do Júri não é lugar para os que se apequenam, ainda que exista o posicionamento arbitrário por parte de alguns magistrados, não cabe ao causídico “bater boca” perante o Conselho de Sentença, mas imediatamente fazer a consignação do ocorrido em ata, assim a luta em prol dos direitos do réu continua nos tribunais superiores até que se esgote todas as possibilidades defensivas. O Criminalista nunca deve se calar frente ao abuso.


REFERÊNCIAS

STF. HC 91.952/SP, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Marco Aurélio, Publicado em 19/12/2008.


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