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Infrações penais, penas e reincidência

Por Diógenes V. Hassan Ribeiro

Existem, no direito brasileiro, quatro modalidades de infrações penais: (a) crime,  (b) contravenção penal, (c) ato infracional e (d) uso de substância entorpecente.

A ação típica de natureza criminal está definida, especialmente, no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.840/1940) e nas inúmeras leis especiais e esparsas. A ação típica de natureza contravencional na Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941). Os atos infracionais, que se referem a atos típicos criminais ou contravencionais praticados pelas crianças e pelos adolescentes se reportam a esses diplomas legais por expressa menção do art. 103 do E.C.A. (Lei 8.069/1990). É certo que as crianças se submetem a regimes e a sanções diversas dos adolescentes. Por fim, o uso de substância entorpecente se encontra estabelecido no art. 28 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006).

Essa classificação tem especial repercussão na aplicação e interpretação do direito e na dogmática em geral.

Em primeiro lugar, caracterizado o ato infracional como infração penal retira-se, por exemplo, das câmaras especiais ou das câmaras cíveis de família, a competência para o julgamento de recursos de decisões proferidas pelos juizados da infância e da juventude. Atualmente, no Brasil, em vários tribunais funcionam câmaras especiais para o julgamento desses recursos, o que não é de todo desvantajoso, assim como, em vários outros os julgamentos são realizados em câmaras cíveis de família. Nesse último caso, é certo que os seus integrantes não têm experiência diuturna e contínua em julgamentos de infrações penais (crime e contravenção especialmente), pois julgam em sua maioria feitos de natureza cível ou de família, o que se torna, de certa maneira, algo desvantajoso, pois há relatos de jovens menores de 18 anos que têm uma situação de segregação que, se comparada com a de adultos, é pior.

Sobre esse tema, deve-se reconhecer que o julgador que está mais atualizado sobre a matéria penal é aquele que julga, normalmente, esse tipo de processo. Além disso, esses julgadores têm uma preferência especial nessa matéria, nos mesmos termos em que os demais, das áreas de direito de família, de direito civil/privado, ou de direito público, têm preferência, conhecimento e atualização maior nesses assuntos. Portanto, essa abordagem não significa nenhuma crítica, tão somente uma constatação.

Logicamente que há/houve os melhores intentos em dirigir a competência para o julgamento de recursos relativos a atos infracionais para câmaras especiais ou para câmaras de direito cível ou de família. O objetivo foi o de não estigmatizar os jovens menores de 18 anos e permitir que fossem julgados em câmaras criminais. E não se pode, induvidosamente, dizer que os melhores julgadores, mesmo em matéria penal, na área dos atos infracionais, seriam os das câmaras criminais, até porque não se pode pessoalizar os julgamentos, pois estes são impessoais e, por isso, devem ser analisados os critérios jurídicos, sistemáticos e constitucionais. Não se trata de preferências, mas de critérios.

Quanto às contravenções, sabe-se que somente se pode cogitar de reincidência quando, conforme o art. 7º da L.C.P., tiver sido, o contraventor, condenado anteriormente por crime ou por contravenção, daí o entendimento de que condenação anterior por contravenção não gera os efeitos da reincidência quando se tratar de condenação posterior por crime. Condenação por crime anterior, ou por contravenção, gera os efeitos da reincidência para contravenção posterior, mas, repita-se, condenação por contravenção anterior não gera em condenação por crime posterior.

Contudo, não há quase nada, ao menos eu não li nada a respeito, sobre a condenação por posse de substância entorpecente para uso, prevista no art. 28 da Lei de Drogas.

Antes de ir adiante devo fazer uma observação. Estou fazendo abstração da possível inconstitucionalidade (com a qual concordo) do art. 28 citado, conforme julgamento que está sendo realizado no Supremo Tribunal Federal, atualmente suspenso em razão e pedido de vista, já havendo três votos nesse sentido, o do relator abrangendo todas as drogas, e os dos outros dois ministros que já votaram pela restrição apenas à maconha. Estou também fazendo abstração à antiga discussão sobre a inconstitucionalidade da reincidência para agravamento de pena, que caracterizaria “bis in idem”, tema que foi muito polêmico, mas que está superado na jurisprudência.

Sobre, portanto, esse último ponto, o da posse de drogas para uso e eventual condenação, como se sabe o art. 28 prevê “pena” de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e de comparecimento a programa ou curso educativo, sendo que, relativamente as duas últimas, a pena pode ser de 5 meses no máximo.

Sobre reincidência, o parágrafo 4º prevê que poderá, então, a pena ser majorada para o máximo de 10 meses.

Fundamentalmente, todavia, o parágrafo 6º, define as “penas” do art. 28, nos incisos I, II e III, como medidas educativas.

Por isso, então, é incompreensível como o Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgamentos, mas especialmente no link jurisprudência em teses (veja aqui), no item de número 2 enunciou que: “a condenação transitada em julgado pela prática do tipo penal inserto no art. 28 da Lei n. 11.343/06 gera reincidência e maus antecedentes, sendo fundamento legal idôneo para majorar a pena.

Não é demais dizer também que o item 1 da mesma publicação estabelece algo até contraditório: “com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização”.

Ora, se houve despenalização, só por isso não se poderia considerar hipótese de reincidência, pois há uma distinção importante e, por outro lado, se a própria lei diz que são medidas educativas, possivelmente penas não são e, então, considerar que a condenação gera os efeitos da reincidência é uma interpretação inadequada. Não fosse suficiente isso, o próprio parágrafo 4º do art. 28 restringe os efeitos da reincidência, tal como, aliás, ocorre na contravenção penal.

Embora eu me aborreça por lidar com dogmática, sem dúvida a dogmática é extremamente importante para servir como ponto de referência e, por isso, a adequada interpretação dos institutos jurídicos permanece necessária como ponto de partida para a aplicação do direito.

_Colunistas-Diogenes

Diógenes V. Hassan Ribeiro

Professor e Desembargador

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