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Teoria da cegueira deliberada e ocultação do domínio dos fatos

Teoria da cegueira deliberada e ocultação do domínio dos fatos

Avaliar a existência e a aplicação da teoria da cegueira deliberada em nosso cenário jurídico torna-se relevante diante da perspectiva política e econômica em que se encontra o Brasil, e quanto à notável aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada nos tribunais brasileiros – conhecida também como Willful Blindness, Doutrina das Instruções do Avestruz (Ostrich Instructions), Doutrina da Evitação da Consciência (Conscious Avoidance Doctrine) ou Ignorância Deliberada (como é conhecida no direito espanhol), concomitada com a ocultação do Domínio dos Fatos.

A teoria em análise diz que atua dolosamente (dolo eventual) aquele que “finge de bobo” em determinadas situações que as circunstâncias indiquem estar cometendo um ato ilícito. Para o Código Penal, o dolo eventual consiste na conduta do agente que, ao atuar, assume o risco de que sua conduta incida no tipo penal.

Podemos observar que, a partir do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470-MG, vulgo “Mensalão”, se desencadearam no mundo jurídico muitas pesquisas acerca do tema da teoria da cegueira deliberada.

Já a ocultação do domínio dos fatos ganhou amplo destaque nas discussões jurídico-acadêmicas brasileiras, e mesmo no noticiário nacional, após ter sido usada como fundamento, pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ação penal 470, para a condenação do réu e ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu (UCHA, 2013).

A Quinta Turma do STJ, em entendimento recente (2018 – 2020), no AgRg no Recurso Especial n. 1.565.832 – RJ, afirmou que

para que ocorra a aplicação da teoria da cegueira deliberada, deve restar demonstrado no quadro fático apresentado na lide que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude e à partir daí alcançar a vantagem pretendida.

A teoria da cegueira deliberada ou das instruções do avestruz tem exatamente por objetivo acabar com o “eu não sabia”; “eu não sei de nada”, penalizar o agente que se coloca em estado de ignorância ou desconhecimento, ‘intencionalmente’, para não saber que aquilo com o que ele está lidando se trata de um ilícito penal.

Diante disto podemos perceber que a intensão é haver uma punição, desde que verificada nos autos do processo, para o sujeito que tem o pleno conhecimento do fato e se coloca em situação de desconhecimento.

Problemáticas quanto à aplicação da teoria

Perante as diversas discussões a respeito da possível aplicação da teoria da cegueira deliberada, há problemáticas.

A primeira: a teoria em estudo amplia a abrangência do dolo. Nesse sentido, percebe-se que a sua aplicação sem regras certas e objetivas pode afrontar ao princípio da culpabilidade, na medida em que está limitada à atuação estatal no que se refere aos requisitos da conduta e a responsabilidade penal. Logo, não se aceita no ordenamento jurídico brasileiro a caracterização de crime sem conduta realizada por dolo ou culpa, isto é, responsabilidade penal objetiva (BECK, 2011).

Tendo em vista que o sujeito ativo do crime que remete à teoria da cegueira deliberada não é, necessariamente, o mesmo autor do delito antecedente, não se pode afirmar que ele age com consciência e vontade para realização do crime antecedente.

Em se tratando de ilícitos econômicos para aplicação da teoria em comento, o dolo aceito é o eventual. Como o agente procura evitar o conhecimento da origem ilícita dos valores que estão envolvidos na transação comercial, estaria ele incorrendo no dolo eventual, onde prevê o resultado lesivo de sua conduta, mas não se importa com este resultado.

Não existe a possibilidade de se aplicar a teoria da cegueira deliberada nos delitos ditos culposos, pois a teoria tem como escopo o dolo eventual, onde o agente finge não enxergar a origem ilícita dos bens, direitos e valores com a intenção de levar vantagem. Tanto o é que, para ser supostamente aplicada a referida teoria aos delitos de lavagem de dinheiro, exige-se a prova de que o agente tenha conhecimento da elevada probabilidade de que os valores eram objeto de crime e que isso lhe seja indiferente (SANCHES, 2014).

Por fim, diante da exposição, acreditasse que deve ser estabelecido um liame entre as condutas do agente que está sendo julgado. Muitas das situações vivenciadas nos julgamentos que empregam tal teoria, podem configurar o dolo eventual ao estarem assumindo o risco de produzirem resultado ilegal. Ao assentir ou concordar com as circunstâncias, o agente assume o risco de agir ilegalmente, não obstante, tente mascarar sua vontade pelo desconhecimento afirmado.

Por outro lado, ao depender da situação, verifica-se evidente violação aos princípios e teorias processuais penais, como a culpabilidade, tipicidade, presunção de inocência e a não autoincriminação.


REFERÊNCIAS

UCHA, Larissa Gomes. O Supremo Tribunal Federal e a teoria do domínio do fato: retomada técnica da Ação Penal n. 470. Disponível aqui.

BECK, Francis. A doutrina da cegueira deliberada e sua (in)aplicabilidade ao crime de lavagem de dinheiro. Revista de Estudos Criminais, São Paulo, n. 41, abr/jun, 2011.

SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal: parte geral. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 343.


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