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A maconha do vizinho está me incomodando, o que devo fazer?

A maconha do vizinho está me incomodando, o que devo fazer?

Morar em condomínio tem as suas vantagens e desvantagens, sendo que a principal dificuldade é a de conseguir conviver em harmonia, respeitando os direitos e os deveres, tanto próprios quanto alheios.

Nesse sentido, uma questão que tem se tornado cada vez mais frequente é a utilização de maconha no interior dos apartamentos e, consequentemente, o incômodo que tal ato pode gerar nos vizinhos, que não têm nenhuma relação com o consumo da substância.

A maconha, assim como no caso do tabaco, se consumida na forma de cigarro, cachimbo, charuto, cigarrilha, …, ou seja, mediante incineração, produz fumaça, fumaça essa que sairá do apartamento do consumidor e inevitavelmente invadirá a moradia do vizinho.

Nessa situação, sendo o vizinho que teve a casa invadida pela fumaça de maconha, o que pode ser feito?

A primeira coisa que precisamos ter em mente é sobre o fato de o consumo de drogas ser ou não crime e, consequentemente, sobre a possibilidade ou não de acionamento da Polícia Militar.

Nesse sentido, ainda existe divergência sobre a natureza jurídica da conduta de consumir entorpecentes, tendo aqueles que defendam não ser mais crime (após a entrada em vigor da Lei 11.343/06, diante da despenalização); assim como existem aqueles que (majoritariamente) defendem se tratar de uma infração penal sui generis, pois, apesar de existir pena de prisão, existem penas restritivas de direitos que são impostas ao usuário.

Mas, independentemente de se tratar ou não de uma infração penal, é certo que ninguém será preso em flagrante por consumir drogas, o que está expresso no artigo 48, § 2º, da Lei 11.343/06, segundo o qual:

Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

Além do mais, trata-se de crime de menor potencial ofensivo, sujeito às normas relativas aos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).

Tais fatores fazem com que se torne muito complexo o acionamento da Polícia para uma abordagem flagrancial, ainda mais quando levamos em consideração a inviolabilidade de domicílio.

Por mais que seja possível a violação de domicílio em casos de flagrante delito, há um desequilíbrio entre a inviolabilidade de domicílio e a infração praticada (que é de menor potencial ofensivo), de modo que eventual invasão (sob a desculpa do flagrante) poderia se enquadrar em um excesso, uma efetiva violação, invalidando tudo o que foi produzido a partir daquele momento.

Já vimos, então, que tem predominado o entendimento de o consumo pessoal de drogas é uma infração penal (sui generis); que é um crime de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95); e que não cabe prisão em flagrante (art. 48, § 2º, Lei 11.343/06).

Então, o que deve ser feito no caso de algum condômino consumir drogas dentro da sua própria residência e esse ato lhe incomodar?

A questão, ao meu sentir, não deve seguir pelo aspecto criminal, mas pelo administrativo, condominial. Pois, por mais que o consumo da maconha (ou até mesmo do cigarro) seja realizado dentro de casa, existem regras legais e condominiais que devem ser seguidas.

Quanto ao aspecto legal, necessário se atentar para a Lei n.º 9.294/1996, a legislação que veio para regulamentar o consumo de tabaco e derivados, além de bebidas alcoólicas, dentre outras.

Essa Lei, em seu artigo 2º, estabelece que:

É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público.

Obviamente, quando analisamos o texto legal, percebemos que ele fala expressamente em recinto coletivo fechado, o que, nesse caso, inclui as áreas comuns do condomínio, como no caso dos corredores e garagem.

Inclusive, há quem entenda que essa proibição envolvendo o consumo de tabaco e derivados (como a maconha) em recinto coletivo fechado deve se estender para aquele que faz uso dessas substâncias na varanda do seu apartamento e faz com que a fumaça se espalhe para os demais apartamentos, eis que a intenção do legislador era evitar que o consumo (por mais que seja um ato pessoal) viesse a prejudicar terceiros, a famosa figura do fumante passivo.

Mas e se o consumo for realizado dentro da residência, que é um espaço privado (por mais que seja um recinto fechado)?

Nesse caso, o ideal seria buscar uma solução consensual, uma forma de resolver o problema sem gerar mais problemas. Se não for possível, necessário acionar o síndico do condomínio, de modo a levar até a ele o problema e buscar uma atuação com base nas normas de convivência condominiais.

É possível utilizar de medidas de conscientização (como uma circular coletiva ou uma carta individual) e/ou advertência (multa, por exemplo) para que o condômino cesse o hábito que tem prejudicado o convívio coletivo.

Como disse no início do texto, o convívio em sociedade, o viver em um condomínio é uma arte, exige o respeito dos direitos e deveres (próprios e alheios), de modo que muitas vezes é preciso renunciar aos hábitos que interferem na vida de terceiros, ferindo seus direitos.

O fato de ser o “proprietário” do imóvel não faz com que tenha liberdade para fazer o que bem entender, é preciso agir de modo a não violar o direito alheio, respeitando regras básicas de convivência.

Por fim, que fique claro que esse não é um texto sobre a maconha em si, sua utilização ou não, mas sobre o hábito de fumar (maconha ou tabaco), em um condomínio, vindo a incomodar a vida de outros moradores. Até mesmo pelo fato de que ninguém (seja ou não fumante) é obrigado a ter que aguentar a fumaça alheia.


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Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

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