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Chico Picadinho: o novo julgamento


Por Eduardo Lemos, Thiago Fachel e Artur Bohmann 


Leia a parte 1 aqui

Em julgamento, a Defesa alegou que o motivo do crime não seria torpe, salientando que Francisco sofria de insanidade mental. Nesse momento, o acusado, após examinado, foi considerado semi-imputável, por se tratar de portador de personalidade psicopática de tipo complexo. Mesmo assim, o Conselho de Sentença condenou Francisco – por quatro a três – a 22 anos e 6 meses de reclusão.

No ano de 1994, Francisco foi submetido a exame psiquiátrico detalhado, o qual culminou na instauração de incidente de sanidade mental e na consequente remoção do mesmo para a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, com o intuito de obter tratamento médico. O Ministério Público, por sua vez, pediu a decretação de interdição em estabelecimento psiquiátrico de regime fechado.

Veja-se que, embora extinta a punibilidade na data de 07 de junho de 1998 (inclusive com expedição de alvará de soltura e sentença reconhecendo a extinção da punibilidade), Chico permaneceu sob custódia por força de liminar concedido nos autos do pedido de interdição, que, por sinal, foi julgado procedente em 14 de dezembro de 1998, decretando-se a interdição de Francisco Rocha.

A defesa ainda lutou pela obtenção da liberdade, em razão do cumprimento total da pena, mas o STF, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 82.924-4/SP, negou provimento, por unanimidade de votos.

Recentemente, a defesa de Francisco tentou obter o levantamento da interdição com a consequente desinternação, sob o argumento de que, na verdade, Chico estaria sendo punido com prisão perpétua, inexistente no nosso ordenamento. Todavia o pedido foi julgado improcedente em primeiro grau.

No julgamento do recurso, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no dia 25 de novembro de 2015, entendeu que a interdição de doente mental com gravíssima patologia não se iguala à prisão perpétua, uma vez que não visa punir pela prática de infrações, mas sim privar do convívio social aquele que sofre gravíssima doença mental. In casu, entenderam os magistrados que haveria segura comprovação da personalidade dissocial do interditando, bem como grave histórico de violência, mantendo, portanto, a internação.

A peculiaridade de tal caso, conforme informações supracitadas, acaba desencadeando uma série de questionamentos acerca da reprimenda imposta para pessoas com características de psicopatia. Estaria o ordenamento jurídico punindo tais indivíduos da maneira correta? Mais ainda, uma vez imposta e cumprida a pena privativa de liberdade, deveria Francisco continuar encarcerado? Estes são polêmicos questionamentos, sobre os quais buscamos dialogar a partir de agora:

Diante do comportamento de Chico Picadinho, especialmente pela frieza que demonstra ao falar e relembrar seus crimes, pode parecer mais aceitável e até confortável pensar que se trata de um indivíduo cujos impulsos estejam viciados por algum tipo de doença que o distancie da perfeita compreensão da realidade ou que afete sua capacidade de controlar seus impulsos.

No entanto, não parece ser o caso. Relembramos que, durante o julgamento pelo homicídio de Ângela, chegou-se à conclusão de que Chico tinha uma personalidade psicopática.

Aqui cabe ressaltar, de maneira breve, que alguns autores trazem distinções acerca das nomenclaturas “psicopata”, “sociopata e “personalidade antissocial”, mas, do ponto de vista da imputabilidade e do direito penal, tais diferenças não possuem maior relevância. Até mesmo o DSM IV (Diagnostic and Statical Manual of Mental Disorders) trata os termos como sinônimos.

Voltando ao caso, a análise do comportamento e da história de vida de Chico, desde a infância, demonstra sinais de um padrão de comportamento repetitivo, comum a diversos assassinos em série que também apresentavam Transtorno de Personalidade Antissocial.

Note-se que Ilana CASSOY (2008, p. 33) aponta algumas características comuns na formação e no passado de diversos matadores em série, como relações familiares difíceis ou mesmo inexistentes, sadismo manifestado desde a infância, dentre outros.

Chico Picadinho, como já referido, nasceu de uma relação extraconjugal, o que levou a rejeição por parte do pai. Apesar de ter sido criado pela mãe, teve que suportar um período de afastamento de aproximadamente dois anos, quando ela adoeceu. Também durante a infância, Chico Picadinho apresentou comportamento sádico em relação a animais, matando gatos por curiosidade.

A similaridade de sua história de vida com a de outros assassinos considerados psicopatas persiste na vida adulta, apresentando dificuldade em manter-se em um só emprego, múltiplos relacionamentos sexuais, abuso de drogas e, principalmente, o cometimento de crimes graves e de maneira sádica e organizada.

A Classificação Internacional de Doenças (CID – 10), define da seguinte forma o Transtorno de Personalidade Antissocial:

Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

Tratam-se, na verdade, de características que tornam o sujeito propenso a prática de delitos, como foi o caso de Chico Picadinho. Todavia, não se pode confundir o  transtorno de personalidade antissocial, ou a personalidade psicopática, com as  doenças mentais propriamente ditas. O portador de Transtorno de Personalidade Antissocial tem preservadas as suas habilidades sociais e comunicação verbal, sendo perfeitamente capaz de justificar seus atos e racionalizar seu comportamento, conforme aponta TRINDADE (2010, p. 158).

O criminoso verdadeiramente insano apresenta comportamento que se distancia da sanidade mental, como delírios, alucinações ou qualquer outro tipo de manifestações que prejudiquem uma compreensão da realidade, afetando o seu espectro intelectivo ou volitivo quando do cometimento do crime.

Por outro lado, no comportamento do criminoso psicopata, a compreensão da ilicitude de seu crime está intacta, e sua vontade não é afetada em nenhum momento, sendo o delito um produto de uma vontade livre de vícios, tanto que o crime é cometido no momento propício ao agente, a sua escolha, e não advém de um impulso irrefreável.

Na última coluna relacionada ao caso de Chico Picadinho, observe como o Sistema Jurídico Brasileiro tem tratado as questões envolvendo pessoas com características de psicopatia, bem como algumas críticas envolvendo o processo de Francisco.


Eduardo Dallagnol Lemos – Pós-graduando em Direito Penal e Política Criminal. Graduado em Direito. Assessor de Desembargador no TJ/RS.

Thiago Aguiar Fachel – Pós-graduando em Direito Público. Graduado em Direito. Advogado.

João Artur Krupp Bohmann – Graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Advogado.

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