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É possível o juízo da execução substituir PSC por prestação pecuniária?

Nos termos do artigo 46, §§1º e 2º, do Código Penal, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (PSC) consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, que se dará em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. Cuida-se de modalidade de Pena Restritiva de Direito que tem aplicação quando, preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a condenação a ser substituída for superior a seis meses de privação de liberdade.

Objetivando atender ao princípio da individualização da pena, determinou-se que as tarefas a serem desempenhadas pelo reeducando serão atribuídas conforme suas aptidões e de forma a não prejudicar sua jornada normal de trabalho (art. 149, inciso I, da LEP e art. 46, §3º, do CP). Da mesma forma, garantiu-se a possibilidade de alteração da forma de execução da prestação de serviços, a fim de ajustá-la às modificações ocorridas na jornada de trabalho, às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal (art. 149, inciso III, e art. 148 da LEP).

Ocorre que, diante do caráter dinâmico da execução das penas, as referidas modificações muitas vezes se dão não apenas na jornada de trabalho, mas na própria possibilidade de desempenho da pena alternativa imposta.

Imaginemos, v.g., a situação de reeducando que venha a ser acometido com doença que impossibilite o desempenho das tarefas impostas; ou o caso de sentenciado que venha a exercer profissão de caráter itinerante, como um caminhoneiro ou um circense, impossibilitando-se a vinculação a específica entidade ou programa comunitário ou estatal designados pelo Juízo; ou mesmo a situação de agente que apenas poderia cumprir a pena aos sábados, domingos e feriados – o que é possibilitado pelo art. 149, §1º, da LEP – mas na região em que reside não existe instituições que disponibilizem vagas para o trabalho no período noturno ou nos dias referidos.

Perceba-se: tais situações inviabilizam por completo o cumprimento da pena restritiva cominada.
Qual seria a melhor solução para o impasse? A matéria é controvertida, tanto na doutrina quanto na jurisprudência!

Diversas são as decisões que, sob o fundamento da ausência de previsão legal, violação da coisa julgada material e do não atendimento das finalidades da pena – retributiva, preventiva e reeducativa – negam a possibilidade de substituição da PSC por outra pena alternativa, sobretudo a prestação pecuniária, sempre salientando que o Juízo da Execução poderá alterar tão somente a forma de cumprimento da prestação de serviços, com fulcro nos já citados artigos 148 e 149, inciso III, da LEP.

Nesse sentido:
[…] A previsão incorporada ao art. 148 da LEP tem o objetivo de possibilitar ajustes na execução das penas de prestação de serviços e limitação de fim de semana, não implicando a substituição dessas penas por outra modalidade de restrição de direitos (AVENA, 2015, p.345).

O Juiz está proibido de substituir a pena restritiva de direitos aplicada por outro tipo de pena, como, por exemplo, aplicar prestação de serviços à comunidade e, durante a execução, substituí-la por doação de cestas básicas (STJ, AgRg no Ag 10922107-MS 2008/0205150-1) (CUNHA, 2022, p. 265).

Seguir a corrente denegatória inevitavelmente nos conduzirá à eventual conversão da pena restritiva de direito em pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 181, §1º, da LEP, já que exigir que o reeducando cumpra pena que se tornou excessivamente onerosa.

O tema reivindica análise calcada nos vetores Constitucionais. Observa-se: não se trata de mera discricionariedade do reeducando na escolha sobre qual pena restritiva de direito lhe parece mais conveniente e oportuna.

A readequação da pena restritiva de direito se apresenta como a única hipótese de manutenção do princípio da menor onerosidade no cumprimento da pena, prestigiando, outrossim, os princípios da individualização da pena, da razoabilidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

Assim, aplica-se por analogia ao estipulado no art. 620, do Código de Processo Civil – CPC, o qual aduz que “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. Trazendo-se para o processo executório penal, o apenado (devedor) deve cumprir sua pena perante o estado (credor) da forma menos gravosa. Vale dizer, com o menor sacrifício possível. Desse modo, identifica-se ser esse princípio corolário do princípio da Dignidade da Pessoa Humana. (SILVA; SILVA NETO, 2012, 116).

Tendo os aludidos princípios como preâmbulo do debate, impende seja realizada interpretação conforme a Constituição dos dispositivos que asseguram que a PSC será fixada de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho (art. 46, §3º, do CP e 149, §1º, da LEP), que terá como referência as aptidões do reeducando (art. 149, inciso I, da LEP) e que se ajustará às modificações ocorridas na jornada de trabalho (art. 149, inciso III, da LEP).

Destarte, superado o argumento da ausência de previsão legal, a dialética segue em relação à limitação imposta pela coisa julgada material formada.

Primordialmente, mister salientar que tal óbice inexistirá diante da ausência de apontamento específico na sentença condenatória de qual pena restritiva de direito deverá ser cumprida, passando-se ao Juízo da Vara de Execuções Penais o dever de estipulá-la e, assim, readequá-la sem qualquer afronta à coisa julgada.

Por outro lado, no caso de expressa indicação da pena alternativa, a melhor interpretação a ser dada é no sentido de considerar que certos elementos da coisa julgada estão sujeitos à cláusula rebus sic stantibus da Execução Penal. Isso se extrai da própria natureza da pena restritiva de direitos, que é autônoma e substitutiva, podendo ser reconvertida em pena privativa de liberdade (art. 44, §§4º e 5º, do CP).
Lembremos: a sentença condenatória penal é dinâmica, não estática e blindada a superveniências modificativas.

Por fim, a readequação da PSC, além de manter o caráter retributivo da pena – já que ocorrerá a imposição de outra pena restritiva de direitos, mantendo-se a resposta do Estado diante da infração cometida – se mostra como a única forma de garantir o caráter preventivo da pena, mormente em seu aspecto especial positivo, que objetiva a ressocialização do agente.

A cogente substituição incentiva o distanciamento do reeducando de condutas voltadas ao crime – v.g., por meio do trabalho ou do tratamento de saúde necessário ao reestabelecimento do reeducando – melhor alcançando sua reintegração à sociedade. O delicado período vivenciado durante a situação de calamidade pública em decorrência da COVID-19 e da recessão econômica enfrentada trouxe peculiar relevância ao tema, onde a escassez do mercado de trabalho reafirmou a importância da manutenção do trabalho já conquistado e o prestígio ímpar do agente que desempenha função de caráter lícito.

Ou seja, o verdadeiro alcance dos objetivos da pena se dará com a conduta do Estado em garantir o trabalho e o desenvolvimento do reeducando, não a sua clausura.

Por este viés, em caráter excepcional, apresenta-se viável e necessária a substituição da pena de PSC por outra pena restritiva de direito pelo Juízo da Execução Penal, onde a prestação pecuniária se apresenta como alternativa conveniente, trazendo rápida e simplificada solução à problemática originária, sem se esbarrar nos frágeis argumentos da ausência de previsão legal, afronta à coisa julgada ou não atendimento das finalidades da pena.

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