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O mandante não é autor pela teoria do domínio do fato

O mandante não é autor pela teoria do domínio do fato

A teoria do domínio do fato teve seus contornos concretamente desenhados a partir do estudo de Claus Roxin, em 1963 (GRECO e LEITE, 2014, p.20) e, portanto, não pode ser entendida como uma “criação” do autor, já que a primeira formulação da ideia central – assemelhada aos contornos que deu Roxin – se deu já em 1933, por Lobe (GRECO e LEITE, 2014, p. 21).

O problema que a teoria busca solucionar é a distinção entre autores e partícipes de um delito, algo que o Código Penal Brasileiro não faz na visão de GRECO e LEITE (2014, p. 22), já que trata todos os concorrentes como autores, mesmo tendo alguns que exerçam maior ou menor importância no fato (art. 29, §1°, do CP).

Mesmo não havendo essa distinção no Direito Penal Brasileiro, a teoria foi mencionada no âmbito da Ação Penal 470 (caso mensalão) e em diversos outros precedentes (ex.: STF – HC 127.397/BA), a fim de verificar o domínio do fato no caso concreto.

Ocorre que a aplicação da teoria não se dá de uma forma simples, com uma interpretação genérica sobre o que se entende sobre quem tem o “domínio do fato”. A teoria, conforme propõe Roxin, é dotada de critérios, os quais devem ser apurados no caso concreto, a fim de que não se proceda com uma conclusão apressada sobre autoria e participação.

Uma conclusão errada que se pode tirar dessa teoria seria a de que o mandante de um crime é autor, pois teria o domínio do fato ao determinar que outra pessoa cometa o crime (chamada autoria intelectual).

Aqui nos restringimos a falar de crimes comuns (homicídio, roubo, lavagem de dinheiro, etc.), posto que delitos especiais (delitos de dever, como os praticados por funcionário público) possuem detalhes que merecem outra forma de abordagem.

Assim, por exemplo, é de se questionar: quem manda/pede a alguém para que cometa o crime de homicídio (matar alguém) é autor ou partícipe pela teoria do domínio do fato?

A resposta passa pela análise da formulação teórica proposta por Roxin.

Primeiramente, Roxin apresenta três manifestações da ideia de domínio do fato: o domínio da ação (autoria imediata); o domínio da vontade (autoria mediata); e o domínio funcional do fato (coautoria).

O domínio sobre a própria ação ocorre quando o agente é quem realiza por suas próprias mãos o crime e, portanto, é o autor imediato.

O domínio sobre a vontade de um terceiro é quando o terceiro é reduzido à condição de mero instrumento para a execução, e o homem “que domina a vontade” é o autor mediato; sendo que as razões do domínio podem ser três:

a) coação exercida sobre o terceiro para que pratique o fato;

b) induzir em erro o terceiro para que pratique o fato;

c) domínio por meio de um aparato de poder organizado; que ocorre quando alguém se serve de uma organização estruturada hierarquicamente, dissociada da ordem jurídica, para determinar a execução dos crimes por pessoas facilmente substituíveis.

Por fim, a terceira maneira de domínio do fato se dá com o domínio funcional do fato. Aqui, haverá a coautoria, pois os agentes – dois ou mais – agem com a divisão de tarefas, cada um contribuindo para um ato relevante do tipo penal.

Já a participação se daria com a instigação ou a cumplicidade (auxílio material) para que outrem cometa o ilícito.

Dito isso, voltando ao caso do mandante (entendido como aquele que pede/manda que alguém cometa o delito), obviamente não será o autor imediato, já que não comete o delito por suas próprias mãos, mas sim objetiva que o crime seja cometido por um terceiro.

Também não será autor mediato. Isso porque, no exemplo que colocamos, não houve nenhuma hipótese de coação ou indução a erro. No caso, houve o simples pedido para que alguém cometesse o delito.

Também não se pode dizer que há um domínio da organização (aparato de poder organizado), posto que os requisitos devem estar caracterizados. Ou seja, apenas se o pedido para cometer o delito se deu (i) em uma organização verticalmente estruturada; (ii) dissociada do direito; e haja (iii) a fungibilidade dos executores é que se poderá falar em autoria pelo domínio da organização.

Também não haverá coautoria, pois mandar executar alguém não é uma contribuição material para o crime de homicídio. Só haveria coautoria se, por exemplo, a pessoa que manda matar também auxiliasse dolosamente a segurar a vítima para que o coautor desferisse um golpe de faca com o dolo de matar.

Com isso, é possível apenas falar em participação no exemplo, posto que o chamado mandante é um verdadeiro instigador da prática do crime (GRECO e LEITE, 2014, p. 37), já que quer que o terceiro pratique o fato por ele. Assim, pode-se concluir que, pela teoria do domínio do fato, o chamado “mandante” do crime não é autor.


REFERÊNCIAS

GRECO, Luís. LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato. Sobre a distinção entre autor e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís. LEITE, Alaor. TEIXEIRA, Adriano. ASSIS, Augusto. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. 1. ed. – São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 19-45.

Ana Paula Kosak

Especialista em Direito Penal e Criminologia. Pesquisadora. Advogada.

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