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O manejo do habeas corpus na execução penal

O manejo do habeas corpus na execução penal

Por Bruno Barros Mendes e William Dias

O habeas corpus, importante remédio constitucional, é um instrumento essencial para aqueles que atuam na seara criminal. Segundo as valiosas lições de Gustavo Badaró (2017), a ação heroica tem sua origem histórica nas medidas processuais romanas, sendo positivado, posteriormente, na Magna Carta de 1215, se aproximando das características do instituto na atualidade.

Em que pese o Código de Processo Penal defini-lo como recurso, art. 647:

Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Majora-se o entendimento de que se trata, na verdade, de um remédio constitucional.

No texto republicano, seu fundamento está no art. 5º, LXVIII:

conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Portanto, essa ação autônoma de impugnação visa proteger um dos direitos mais sagrados do ser humano: a liberdade de locomoção. Partindo da análise pragmática, a expressão habeas corpus, significa “exiba o corpo”, ou seja, apresente ao órgão competente a pessoa que está sofrendo a ilegalidade na sua liberdade de locomoção (TOURINHO FILHO, 2009).

Assim, a violência ou coação à liberdade, podendo ser presente ou futura, é um requisito fundamental do Writ.

Pelo exposto, por óbvio, parece ser simples o perfeito cabimento do Writ na Execução Penal, afinal é na execução em que a liberdade será definitivamente restringida. Entretanto, a resposta vem gerando muita discussão.

Isso acontece, porque os tribunais superiores, em diversos casos, de forma até incisiva, recomendam pela não impetração do habeas corpus como substitutivo ao recurso específico, e a lei de execução penal vigente prevê apenas 01 (um) recurso no âmbito do processo de execução penal – tipificado no artigo 197 da LEP – denominado Agravo em Execução.

Esse é o principal motivo da discussão!

No entanto, esquecem que o Código de Processo Penal – mais precisamente no artigo 648 – prevê algumas hipóteses em que o remédio heroico poderá ser impetrado inclusive na Execução Penal: a) quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; b) quando o processo for manifestamente nulo ou quando extinta a punibilidade etc.

Ainda na seara da legalidade do Writ no âmbito da execução penal, Gustavo Badaró observa que “o agravo em execução não tem efeito suspensivo. Todavia, se a eficácia imediata da decisão puder causar dano irreparável, o condenado poderá se valer do habeas corpus” (2017, p. 463).

Assim, fica cristalino no âmbito doutrinário o direito de impetrar o Writ para, assim, fazer cessar toda e qualquer ilegalidade perpetrada no âmbito da execução da pena, principalmente quando o assunto envolve nulidades, abuso de poder, extinção de punibilidade, falta de fundamentação das decisões, cerceamento da defesa, excesso de prazo etc.

Portanto, ainda que haja esta restrição quanto à sua substituição em sede de Execução Penal, tratando-se de constrangimento evidente – que acarrete lesão ou atraso à liberdade de locomoção do Paciente – o habeas corpus deverá ser imediatamente manejado.

Afinal, considerando a realidade carcerária brasileira, não podemos obrigar os sentenciados suportarem mais tempo em condições sub-humanas pelo fato da lei não prever efeito suspensivo ao recurso de Agravo em Execução Penal.

Contudo, ainda precisamos fazer uma análise importante. Quando sobrevier uma decisão injusta-ilegal, caso a defesa assim considerar, em primeiro lugar, deverá interpor agravo em execução, evitando, assim, sua preclusão. Logo após sua interposição, será possível impetrar o Habeas Corpus – que terá preferência no julgamento, podendo inclusive ser concedido liminarmente.

Noutra balança, em que pese o entendimento jurisprudencial majoritário no não reconhecimento do habeas corpus pela simples, para utilizar um eufemismo, existência de recurso específico, há diversas decisões que, no caso de flagrante ilegalidade, apesar do não conhecimento do Writ, concedem a ordem de ofício:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. REMIÇÃO DE PENAS. APROVAÇÃO TOTAL NO ENCCEJA. POSSIBILIDADE. ART. 126 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECOMENDAÇÃO N. 44/2013 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CÁLCULO. ADEQUAÇÃO. NECESSIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. I – A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. (STJ – HC: 547988 SC 2019/0353865-8).

Por derradeiro, é sempre salutar ampliar a utilização do Habeas Corpus na execução penal, malgrado o ordenamento jurídico assente recurso específico. Não sendo por demais lembrar que o âmbito da execução penal é responsável pelas maiores violações aos direitos fundamentais.

Portanto, a defesa deverá ser intransigente, manejando, assim, o processamento do Writ quando patente ilegalidade, no entanto, nunca poderá se esquecer de – dentro do prazo legal – também apresentar o recurso especifico (agravo em execução penal).


REFERÊNCIAS

BADARÓ, Gustavo. Recursos penais. 2. ed. São Paulo, Revista dos tribunais, 2017.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.610


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