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O preparo da defesa para o plenário do júri

O preparo da defesa para o plenário do júri

Por Tiago Oliveira de Castilhos e Valdir Florisbal Jung 

Continua-se com a ideia de apresentar os principais pontos de atuação da prática no Plenário do Júri. Desvendar o senso comum de que não se pode abrir muito o tema, ensinar o “pulo do gato”. Isso porque ainda vigora a lógica de que se todos souberem como funciona o plenário do júri, todos fariam a mesma coisa, consequentemente uma parcela da advocacia seria desfavorecida porque perderia a imagem sacra de ser “especialista” (LIPOVETSKY, 2005, p. 19).[1] 

A ideia de trabalhar a teoria com a prática permanece. Abordar-se-á, ainda, o preparo da defesa para desvendar o “cinismo” (SLOTERDIJK, 2012, p. 31)[2] presente de que a atuação ali é para poucos, só para os iluminados. Peça-se escusas pelo início da escrita ser de tom crítico, mas essa é a meta: mostrar o que está oculto, aquilo que não se vê (MERLEAU-PONTY, 1966, p. 19 e 20),[3] pois, na verdade, dizer que não está ao alcance de todos, mas só de uma parcela de profissionais, não passa de uma ilusão.

O primeiro e importante passo, no preparo para o plenário, está no total e irrestrito conhecimento dos autos, sem o qual a atuação será uma cena de um filme dantesco. Se o advogado não tiver o conhecimento pormenorizado do processo terá o seu constituído uma sentença igual à atuação do seu advogado (CARNELUTTI, 2008, p. 31).[4]

O segundo preparo passa pelo descanso no dia que antecede a atuação da defesa em plenário. É necessário para uma boa desenvoltura na solenidade estar com o sono em dia e com condições para a atuação plena. Outra importante etapa é o cuidado com a alimentação, devendo o advogado cuidar da sua alimentação na antevéspera e véspera da atuação. Rever naquela semana que antecede a solenidade se precisa fazer algum requerimento de realização de provas no plenário e ficar atento ao prazo do Art. 479 do Código de Processo PenalCPP, uma vez que se deve requerer a realização da prova até três dias antes do evento. 

Os defensores devem providenciar roupa adequada à solenidade. Pode parecer uma dica um tanto óbvia, mas o Conselho de Sentença estará atento a todo e qualquer detalhe. Em algumas comarcas é obrigatório o uso da toga, portanto, faz-se necessário verificar esta necessidade antes do julgamento. Chegar cedo, cumprimentar a todos e evitar fazer comentários desnecessários que possam criar uma antipatia frente aos jurados.

Fora o conhecimento técnico, boa oratória é importante preparar uma linguagem própria para o local, visto que um julgamento em uma capital tem um público diferente de um júri no interior. O material para apresentação durante o plenário, tais como livros de casos emblemáticos, jornais, revistas e, se for o caso, recursos visuais, como lousa, projetor e outros, pode se apresentar como um fator determinante. 

Com o conhecimento amplo do processo, a defesa tem que conversar com seu cliente e prepará-lo para o interrogatório, analisando as provas contrárias e favoráveis, os álibis e seus depoimentos na fase policial e na instrução processual. Preparar um bom interrogatório em plenário e possibilitar que o depoimento seja esclarecedor para os jurados, visto que a mudança na versão dos fatos não é bem vista em plenário. Qualquer mudança sempre vem acompanhada da pergunta “em qual depoimento o réu mentiu?”

O réu deve ser orientado para que, no dia de seu depoimento em plenário, esteja com vestimenta adequada para solenidade, não faça uso de gíria ao falar, dirija-se aos presentes sempre com tom de educação, não fique encarando o Conselho de Sentença ou o público presente e nem de cabeça baixa, o que pode ser interpretado como demonstração de culpa. É importante agir de forma natural. 

Deve-se conversar com o Ministério Público antes do plenário, quando possível ou necessário. E por que falar com o parquet? Para ver qual é o ânimo dele, o que ele pensa em fazer. Nos casos cabíveis, se ele vai pedir a absolvição de algum réu ou se irá manter o pedido de condenação para todas as qualificadoras. Nem sempre isso é possível porque alguns acusadores deixam a posição de imparciais que deveriam ter (CARNELUTTI, 2008, p. 31 e 32).[5] 

Por isso significativo é o Projeto de Lei que ganhou o nome “Streck-Anastasia”,[6] Projeto de Lei do Senado Federal n. 5.282, de 2019, em que eles propõem à inclusão do parágrafo primeiro, no Art. 159 do Código de Processo Penal. Nele, em parca síntese, a obrigatoriedade de produção da prova pelo Ministério Público que favoreça a acusação, mas também a defesa. Logo, neste momento busca-se um acusador imparcial, que peça a absolvição ou desista de uma qualificadora.   

E lembre-se que os primeiros cinco minutos são tensos, mas se você estiver bem preparado tudo fluirá naturalmente.


REFERÊNCIAS 

BRASIL. SENADO FEDERAL. Legislação. Disponível aqui. Acesso em: 19 abr. 2020. Projeto de Lei n. 5.282, de 2019, proposto pelo Senador Antônio Anastasia.

CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal/Francesco Carnelutti; tradução de Ricardo Rodrigues Gama. 1 ed. 3 tiragem. Campinas: Russell Editores. 2008.

LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo /Gilles Lipovetsky; [tradução Therezinha Monteiro Deutsc]. Barueri, SP: Manole. 2005.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. 2 ed; prefácio de Claude Lefort. França: Veja Passagens. 1966.

SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica / Peter Sloterdijk; tradução de Marco Casanova, Paulo Soethes, Maurício Mendonça Cardozo, Pedro Costa Rego e Ricardo Hiendlmayer. São Paulo: estação Liberdade. 2012.

SOARES, Guilherme Augusto de Vargas; DIAS, Giovanna. Lei Anastasia-Streck: manifestação por um Ministério Público imparcial. São Paulo. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Publicado em 22 fev. 2020. Disponível aqui. Acesso em; 19 abr. 2020.

STRECK, Lenio. Projeto de Lei para evitar a parcialidade na produção da prova penal. São Paulo. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Publicado em 19 set. 2019. Disponível aqui. Acesso em; 19 abr. 2020.      


NOTAS

[1] Versa o autor que há um deserto e ele cresce, sendo este deserto o do “(…): o saber, o poder, o trabalho, o exército, a família, a Igreja, os partidos, etc. já pararam de funcionar globalmente como princípios absolutos e intangíveis; (…).” E continua com a crítica e explica os motivos que levam a esse “deserto”, sendo que mais a frente fecha o pensamento dizendo que “(…). A onda de desafeição se propaga por todo o lado, despindo as instituições de sua grandiosidade e, simultaneamente, do seu poder de mobilização emocional. No entanto, o sistema funciona, as instituições se produzem e se desenvolvem, porém no ritmo livre, no vazio, sem aderência ou sentido, cada vez mais controlada por ‘especialistas’, (…).” LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo /Gilles Lipovetsky; [tradução Therezinha Monteiro Deutsc]. Barueri, SP: Manole. 2005, p. 19. 

[2] Para o autor o cinismo moderno é aquele que vai atrás das ideologias ingênuas, ou seja, para este texto é ingênuo achar que tem que ser especialista no júri para exercer uma boa defesa, pois para nós ela não está vinculada a especialidade, mas sim a capacidade de estudo e esforço, qual seja, estudar o processo e se esforçar para fazer daquele momento um momento único, como se fosse uma questão de sobrevivência e na verdade assim é, pois está em jogo à sobrevivência daquele que se defende. O cinismo explica o autor é “marcante”, é “peculiar” e “individual”, ou seja, aqui, para esta crítica, marcante, peculiar e individual de uma parcela da advocacia que se acha em uma casta. SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica / Peter Sloterdijk; tradução de Marco Casanova, Paulo Soethes, Maurício Mendonça Cardozo, Pedro Costa Rego e Ricardo Hiendlmayer. São Paulo: estação Liberdade. 2012, p. 31.

[3] Escreve o autor que “(…). Só se vê aquilo que se olha. (…)? Todas as minhas deslocações figuram, por princípio, num canto da minha paisagem, reportam-se ao plano do visível. Tudo o que está, por princípio, ao meu alcance, pelo menos ao alcance do meu olhar, edificado sobre o plano do «eu posso». (…).” é importante que o advogado veja que tem condição, deve ele olhar para o caso penal que se avizinha e ver que é capaz de fazer a defesa, mas para isso terá que estudar, terá que se debruçar no processo e estudá-lo mais que os demais estudaram. MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. 2 ed; prefácio de Claude Lefort. França: Veja Passagens. 1966, p. 19 e 20. 

[4] Escreve o autor que “(…). Só se vê aquilo que se olha. (…)? Todas as minhas deslocações figuram, por princípio, num canto da minha paisagem, reportam-se ao plano do visível. Tudo o que está, por princípio, ao meu alcance, pelo menos ao alcance do meu olhar, edificado sobre o plano do «eu posso». (…).” é importante que o advogado veja que tem condição, deve ele olhar para o caso penal que se avizinha e ver que é capaz de fazer a defesa, mas para isso terá que estudar, terá que se debruçar no processo e estudá-lo mais que os demais estudaram. MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. 2 ed; prefácio de Claude Lefort. França: Veja Passagens. 1966, p. 19 e 20. 

[5] O autor explica que há uma aversão da sociedade e de alguns juristas a prática da advocacia na defesa de pessoas que são acusadas de ter cometido crimes, principalmente aqueles crimes mais graves. “A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: permanecer sobre o último degrau da escada ao lado do acusado. O povo não compreende aquilo que os demais, tampouco os juristas entendem; e riem, burlam e escarnecem. Não é um trabalho que goze da simpatia do público, e mesmo de cireneu. No campo literário e também no campo litúrgico, as razões pelas quais a advocacia é objeto de uma difundida antipatia não são outras senão estas. (…). As coisas mais simples são as mais difíceis de entender. CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal/Francesco Carnelutti; tradução de Ricardo Rodrigues Gama. 1 ed. 3 tiragem. Campinas: Russell Editores. 2008, p. 31 e 32.

[6] BRASIL. SENADO FEDERAL. Legislação. Disponível aqui. Acesso em: 19 abr. 2020. Projeto de Lei n. 5.282, de 2019, proposto pelo Senador Antônio Anastasia. O projeto recebeu o nome “Streck-Anastasia” e a proposta é de incluir o parágrafo primeiro, no Art. 159 do CPP. O teor da proposta, em parca síntese, é de ter o Ministério Público “imparcial”, no processo, na busca da prova, pois passa a ter a obrigação de produzir tanto as provas que favoreçam a acusação, quanto aquelas que favoreçam a defesa. A presente proposta externa a ideia de que tem a acusação às mesmas prerrogativas do juízo, logo, os mesmos compromissos, dentre eles o de ser imparcial. Com o nítido propósito de valorização do Ministério Público ao contrário do que alguns pensam, pois ressalta a sua função de “custos legis”, basta ver o texto apresentado na Revista Eletrônica Consultor Jurídico, intitulado “Lei Anastasia-Streck: manifestação por um Ministério Público imparcial”, de Guilherme Augusto de Vargas Soares e Giovanna Dias, publicado em 22 fev. 2020. Disponível aqui. Acesso em; 19 abr. 2020. Ver também o texto do Professor Lenio Streck, na Coluna da Revista Eletrônica Consultor Jurídico, intitulado: “Projeto de Lei para evitar a parcialidade na produção da prova penal”, publicado em 19 set. 2019. Disponível aqui. Acesso em; 19 abr. 2020.     


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