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A questão das drogas no Direito Penal

A questão das drogas no Direito Penal

Com o aumento desenfreado da população carcerária, deve ser feita uma análise de como está sendo aplicada a Lei de Drogas, Lei 11.343/2006, visto que o tráfico de drogas é um dos crimes que mais encarcera no Brasil.

De acordo com dados do CNJ, são 59.169 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas por tráfico de drogas e condutas afins (dados de 2016); 15.263 mulheres encarceradas por tráfico de drogas nos últimos cinco anos (dados do II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino).

Quanto à população carcerária masculina, dados do CNJ indicam que 24% dos presos, entre provisórios e definitivos, está atrás das grades pelo crime de tráfico de drogas.

A Lei 6.368/1976 era a legislação vigente antes das mudanças trazidas pela pouco conhecida Lei 10.409/2002. A Lei 11.343 veio em 2006 revogar as legislações anteriores.

O capítulo III da Lei 6.368/76 tratava dos crimes e penas:

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;  

Pena – Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

§1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: 

I – importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de     substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; 

II – semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

§2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: 

I – induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

II – utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica. 

III – contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o   tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. 

Art. 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente  ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

 Pena – Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a   360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

(…)

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a  50 (cinquenta) dias-multa.(grifos nossos).

 O principal aspecto da Lei 6.368/1976 era a imposição de pena privativa de liberdade ao usuário, prevista no art. 16. Não obstante, a pena-base de 06 meses a dois anos dava margem à sua substituição por penas e medidas alternativas à prisão, quando cabíveis no caso concreto.

A lei 10.409 de 11 de janeiro de 2002 veio com a finalidade de substituir por completo a “antiga” Lei 6.368. No entanto, foi muito criticada pela doutrina por suas muitas falhas, e mesmo formalmente em vigor, teve tantos vetos que a Lei 6.368 continuou em vigência:

No ano de 2002, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 10.409/2002, que foi elaborada para substituir a Lei nº 6.368/1976. Todavia, ela estava repleta de incorreções e foi duramente criticada pelos doutrinadores e operadores do direito. Por conta disso, sofreu vários vetos e entrou em vigor totalmente descaracterizada. Diante dos vetos, a lei anterior não foi revogada por inteiro, sendo que ambas continuavam vigendo conjuntamente, isto é, aplicava-se parte de uma e de outra, o que trazia intrincados problemas de interpretação. Assim é que o capítulo que tratava dos tipos penais foi inteiramente vetado, aplicando-se, por conseguinte, os artigos pertinentes da Lei nº 6.368/1976. Além disso, havia divergência na doutrina e na jurisprudência sobre qual seria o procedimento aplicável (o da lei nova ou o da antiga). Após a apresentação de vários anteprojetos sobre o tema, sobreveio a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que sofreu alguns vetos presidenciais, mas que não a alteraram substancialmente. (Lei de drogas comentada / César Dario Mariano da Silva. — 2. ed. — São Paulo : APMP – Associação Paulista do Ministério Público, 2016. Pg. 15). 

Diante das falhas da Lei 10.409, a Lei 11.343/2006 veio com a responsabilidade de tratar de maneira completa e eficaz da questão do combate, prevenção e punição aos crimes relacionados ao consumo, fabricação e venda de entorpecentes.

A principal inovação da nova Lei foi a questão da despenalização do usuário:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. 

(…)

§7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. (grifos nossos).

A nova Lei foi excelente ao determinar medidas alternativas à prisão para o usuário, visto que não há nenhuma efetividade, em termos de política criminal, em prender quem necessita de tratamento especializado; a problemática foi deixar a cargo do juiz determinar quem é o usuário e quem é o traficante.

Trata-se de um excesso de discricionariedade, que abre margem a toda sorte de subjetividades nas decisões judiciais. Então, a aplicação da nova Lei, ironicamente, que em tese veio para dar tratamento menos rigoroso ao usuário comum e ao usuário que produz para seu próprio consumo, é a principal responsável pelos atuais e alarmantes números de prisões.

O art. 28 da Lei 11.343 está em questionamento no Recurso Extraordinário 635659/SP. Nesses autos, um réu já preso foi condenado por posse de drogas para seu próprio uso. A Defensoria Pública de São Paulo, responsável pela defesa do réu, aduz que: “O porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’, mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário”. O julgamento do RE ainda não foi concluído.

Outro problema que explica o boom no número de prisões por tráfico de drogas é o fato de se tratar com igual rigor o pequeno e o grande traficante. Deveria haver uma penalização menos rigorosa a quem trafica drogas em pequena quantidade, caso de boa parte das prisões que lotam o país. Nesse sentido:

A legislação sobre drogas no Brasil é genérica e deixa o juiz sem critérios para distinguir o grande do pequeno traficante. A crítica é da juíza Telma de Verçosa Roessing, da Vara de Execuções de Medidas e Penas Alternativas de Manaus/AM, que defende alterações legislativas para evitar condenações desproporcionais. “Realmente não há como comparar a mulher que é flagrada levando drogas para o marido na prisão com uma pessoa que fica vendendo grande quantidade de drogas nas chamadas bocas de fumo. Ocorre que os tipos penais previstos na Lei de Drogas são genéricos e não fazem diferença em relação à posição ocupada pelo agente na rede do tráfico, não havendo proporcionalidade das penas. O juiz fica sem critérios objetivos para nortear sua decisão”, afirmou a magistrada, em entrevista à Agência CNJ de Notícias.

Enquanto as mudanças legislativas que proporcionem menos discricionariedade na aplicação das penas, cabe em tese ao Judiciário, na análise do caso concreto, utilizar-se do critério da quantidade aprendida para determinar uma pena adequada, que não penalize em excesso o pequeno traficante ou penalize erroneamente o usuário.


REFERÊNCIAS

DOMENICI, Thiago. BARCELOS, Iuri. Como a Justiça Paulista sentenciou negros e brancos para o tráfico. Reportagem da “Agência Pública”. Publicada em 05 de dezembro de 2018. Disponível aqui.

SILVA, César Dario Mariano da. Lei de drogas comentada. 2. ed. São Paulo : APMP – Associação Paulista do Ministério Público, 2016.

Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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