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Eu matei a minha mãe: tenho direito à “saidinha” do Dia das Mães?

Eu matei a minha mãe: tenho direito à “saidinha” do Dia das Mães?

De início, necessário dizer que a Saída Temporária não é o “Indulto de Natal” e, caso o leitor pense assim, recomendo que pesquise um pouco mais sobre o tema antes de ler este artigo. Infelizmente, se eu fosse explicar aqui, fugiria muito do que me propus a escrever.

Esta contribuição surgiu em virtude do que eu tenho ouvido pelas ruas, visto nos jornais e pelo “mundo da internet” sobre o “absurdo” da “Saída do Dia das Mães” à Suzane Von Richthofen, tendo em vista que “ela matou a mãe”.

O objetivo deste artigo é despertar o senso crítico do leitor, mostrando a visão (sem sombra de dúvidas de milhões de pessoas) sobre a problemática da saída temporária. Mas como a Lei de Execução Penal determina o funcionamento desse direito? Vejamos a redação do art. 66 e 123 da Lei nº 7.210/1984:

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

IV – autorizar saídas temporárias.

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária (…).

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

IV – autorizar saídas temporárias.

Recordo-me bem das aulas na graduação em Direito, nas quais o docente nos dizia que devíamos observar o núcleo da norma, ou seja, o verbo contido na lei. No caso do inciso IV do artigo 66 da LEP, o verbo é determinar ou autorizar?

Só quem não quer realmente enxergar responderá que o verbo contido na norma é determinar, não é mesmo? Para que exista uma autorização deve obrigatoriamente anteriormente existir um pedido, ou algum leitor ousa discordar desse entendimento?

Mas isso, na prática, traria benefícios aos presos? Vejamos o que o STF nos diz sobre essa problemática:

A deficiência do aparato estatal e a exigência de decisão isolada para cada saída temporária – dada a necessidade de cumprimento de diversas diligências para instrução e posterior decisão do pleito – estão a ocasionar excessiva demora na análise do direito dos apenados, com inexorável e intolerável prejuízo ao seu processo de progressiva ressocialização, objetivo-mor da execução das sanções criminais, conforme deixa claro o art. 1º da Lei nº 7.210/1984 (“Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”).

Provavelmente por essas e outras considerações, o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, ao analisar acórdãos proferidos por este Superior Tribunal, apoiados nos recursos repetitivos já referidos, concedeu habeas corpus para reconhecer a possibilidade de renovação periódica da saída temporária, que

permite ao juízo das execuções penais programar, observados os restritos limites legais, as saídas subsequentes à da concessão do benefício, a fim de inibir eventual delonga ou até mesmo impossibilidade no usufruto da saída não vigiada. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.544.036 – RJ (2015/0173247-8) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ)

Outro ponto muito importante é o que dispõe a orientação do Conselho Nacional de Justiça no Manual Prático de Rotinas das Varas Criminais e de Execução Penal:

O processamento das saídas temporárias pode ser coletivo e unificado num só provimento anual, inaugurado com a remessa de lista única contendo os pareceres do Diretor do presídio sobre todos os potenciais beneficiários sob sua custódia direta, seguindo-se com o encaminhamento de vistas do expediente ao Ministério público e à Defesa e final deliberação para cada um condenado, especificando- se as datas nas quais fará jus ao benefício ao longo do ano. A medida evitará o trabalho hercúleo que decorre com as inúmeras juntadas individuais de requerimentos em cada processo de execução, vistas de cada um dos autos ao Ministério Público, aos Defensores e, consequentemente, decisões e seus registros para cada postulante.

Utilizando-se do “raciocínio” de milhões de pessoas quanto ao caso da Suzane, mostraremos a seletividade envolvendo beneficiários da saída temporária de autores de “certos crimes” e em “certas datas”.

Vou falar do Estado de São Paulo quantos às datas “padronizadas” das “saidinhas” e do ANEXO I da Portaria n. 001/2018-VEP/DF que determina o Calendário das Saídas Temporárias no ano de 2018.

Em São Paulo, via de regra, há saídas na Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças[1] e Natal. Voltando ao fato dos juízes estabelecerem datas para as saídas, poderia o juiz competente estipular as seguintes datas para saídas temporárias?

1 – Dia de Finados, para os presos que cometeram ou tentaram praticar homicídios?

2 – Dia das Crianças, para os presos que cometeram ou tentaram praticar crimes de homicídios, estupros e etc. contra crianças?

3 – Dias das Mães, para os presos que cometeram ou tentaram praticar crimes de homicídios, estupros e etc. contra suas mães e/ou mães de outras pessoas, ou nessas datas?

4 – Dia dos Pais, para os presos que cometeram ou tentaram praticar crimes de homicídios e etc. contra seus pais ou pais de outras pessoas, ou praticados nessa data?

5 – Páscoa e Natal, para presos que não são “católicos” ou são ateus ou que cometeram crimes nessas datas, pois também seria uma “afronta” a toda “sociedade de bem”?

6 – Não poderão sair da prisão quando as datas do cometimento de crimes correspondessem com as datas das saídas? 

Poderíamos, então, nos revoltarmos com os juízes que não conhecem ou não atentam aos crimes cometidos pelos beneficiários da saída temporária e jogar a conta de tudo isso para o preso pagar?

Bis in idem ad eternum (quem disse que não existe pena perpétua no Brasil?) quanto ao crime(s) que ele praticou e pelo qual cumpre sua pena, pois esse requisito impeditivo sempre estará presente para o indeferimento da saída.

Deveria ele permanecer mais tempo no cárcere, absorver mais ainda a prisionização/prisonização, a criminalização e a despersonalização, e preparando-se para o retorno à sociedade, pois está com sua pena a acabar e já tem até o direito às “saidinhas”?

E essa conta em relação à Política Penitenciária Criminógena, quem que vai pagar?


NOTAS

[1] Às vezes, o Dia das Crianças é substituído pelo Dia de Finados, por exemplo, assim como a Portaria nº 001/2017 da VEP autorizava que o preso passasse o Ano Novo com a família e, agora, não mais inclui esse direito.

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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