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STF e sua responsabilidade pela provável revolta das cadeias


Por Diorgeres de Assis Victorio


“Em primeiro lugar, a prisão deve ser concebida de maneira a que ela mesmo apague as conseqüências nefastas que atrai ao reunir num mesmo local condenados muito diversos: abafar os complôs e revoltas que se possam formar, impedir que se formem cumplicidades futuras ou nasçam possibilidades de chantagem (no dia em que os detentos se encontrarem livres), criar obstáculo à imoralidade de tantas “associações misteriosas”. Enfim, que a prisão não forme, a partir dos malfeitores que reúne, uma população homogênea e solidária. Existe entre nós neste momento uma sociedade organizada de criminosos…formam uma pequena nação no seio da grande. Quase todos esses homens se conheceram nas prisões ou nelas se encontram. São os membros dessa sociedade que importa hoje dispersar.” (FOUCAULT, 1987, p. 199)

Foi amplamente discutido no meio acadêmico a decisão do “ex-guardião” da Carta Magna no qual o mesmo “sem querer querendo” desrespeitou o Princípio Fundamental da Presunção de Inocência. Estamos falando sobre a decisão oriunda do Habeas Corpus nº 126.292, que discutiu a legitimidade de ato perpetrado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que a negar provimento ao recurso exclusivo da defesa, determinou o início da execução de pena. Por 7 votos a 4, o Plenário do STF mudou a quase consolidada jurisprudência da corte, determinando que é possível a execução (do nosso ponto de vista execução antecipada da pena) depois de decisão condenatória confirmada em segunda instância.

Vemos que na verdade estamos passando atualmente por um estado policialesco no qual até quem deveria guardar os Direitos Fundamentais e a Cláusula Pétrea, deixou-se influenciar pelo clamor público, clamor de uma sociedade que tem sede de vingança e se curvou a essa malfada solicitação, e desrespeitou a política encarceradora exacerbada que tanto lutamos para dizimar. Vai mal o STF, quem diria que ele um dia iria atender o grito das ruas. Sem sombra de dúvidas ocorrerá o encarceramento em massa e o emprego em demasia da delação premiada sob a terrível barganha de que ele poderá não ser preso em uma condenação em segunda instância se contribuir com a Justiça.

Desde a data da decisão do STF (17/02), aproveitei que estou no meio do cárcere e fiz algumas pesquisas criminológicas quanto ao que os presos estavam entendendo a respeito e como os servidores da Pasta da Secretaria também receberam tal decisão.

Vemos durante as revistas de celas que uns dos programas mais assistidos pelos presos são os “policialescos” (Datena, Marcelo Resende e etc.). Equivoca-se quem acha que preso não assiste jornal e não se interessa pelas notícias de nosso país, que são uns ignorantes e etc. Ninguém na cadeia quer “ficar de chapéu atolado” (não sabendo o que está acontecendo) afinal de contas ninguém quer ter a alcunha de “mosca de boi” (bobo, distraído, “desligado”).

Servidores da Unidade onde trabalho estão muito contentes com a decisão do STF, cheguei inclusive a ouvir que acabou a “sem-vergonhice” de ficarem soltos esses “ladrões” por tanto tempo. “Que até que enfim o STF resolveu moralizar o Judiciário”. É estamos passando por tempos tenebrosos. De nada adiantou eu dizer ou tentar explicar que o próprio Supremo Tribunal Federal que deveria ser o guardião da Constituição Federal desrespeitou um Princípio indispensável, uma Cláusula Pétrea e que teríamos sérios problemas no cárcere com essa decisão. Reconheço que fui voto vencido nos debates. Também verifiquei que nos grupos do Facebook (grupos esses em que seus membros são de funcionários que labutam no cárcere, inclusive de outros Estados) esse entendimento punitivista imperava.

Mas minha pesquisa ainda não tinha se encerrado, pois ainda faltava questionar os moradores dos cárceres. E isso foi feito. Em diálogos com alguns presos, os mesmos me informaram que através dos meios de imprensa televisiva eles conseguiam “medir a febre” da sociedade quanto aos crimes, criminosos e etc. Fui bem objetivo nos questionamentos e me preocupei em questioná-los quando não houvesse outros servidores juntos para que assim, de alguma forma eles não se sentissem intimados e assim a pesquisa acabasse sendo influenciada por temor dos criminosos. Os diálogos se resumiam em conversas pelas quais os presos estavam muito preocupados com essa decisão, tendo em vista que temem um encarceramento em massa, o que traria mais problemas as já tão lotadas Unidades Prisionais de nosso país. Disseram ainda que se uma pessoa como a que foi mostrada na televisão teve que ser presa, imaginem só o que a Justiça não fará com outras pessoas pobres e que não tem a mínima condição de contratarem bons advogados e que estão abandonadas pelas famílias.

É uma incongruência. Lutam por implementar a Audiência de Custódia em nosso país visando assim “desafogar” os cárceres, mas na contra-mão de toda a vanguarda mundial, vem o Supremo Tribunal Federal e em um momento de muita irresponsabilidade decide uma questão de tamanha monta de consequências nefastas sem se ater ao que isso geraria ao nosso país? Será que mais uma vez terei que lembrar que estão dando ao crime organizado mais “munição” para eles se armarem com um ingresso de milhares de pessoas presas? Pessoas que muitas vezes possui uma índole e que a mesma será sem sombra de dúvidas mais deteriorada pelos ensinamentos oriundos das mazelas do cárcere, afinal de contas, nós sabemos que as prisões são verdadeiras universidades do crime. Será que é tão difícil de entender isso?

Realmente essa decisão equivocada do STF vai nos custar muito caro!

Vejo que as carreiras de advogados criminais, assim como a de defensores públicos, serão muito influenciadas por essa decisão. Caminhos bem sinuosos os nobres causídicos irão trilhar. Lhes desejo muita boa sorte!


REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.

_Colunistas-Diorgeres

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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