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STJ: o art. 514 do CPP somente é aplicável para delitos praticados por servidor público contra a Administração Pública

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o procedimento especial previsto no art. 514 do Código de Processo PenalCPP somente é aplicável para delitos praticados por servidor público contra a Administração Pública, elencados nos artigos 312 a 326 do Código Penal – CP.

A decisão teve como relator o ministro Reynaldo Soares da Fonseca:

Ementa

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. DECISÃO PROFERIDA COM OBSERVÂNCIA DO RISTJ E DO CPC. POSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. 2. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO VERIFICAÇÃO. SUBMISSÃO DA MATÉRIA AO COLEGIADO. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO REGIMENTAL. 3. OFENSA AO ART. 619 DO CPP. NÃO VERIFICAÇÃO. ARGUMENTOS DEFENSIVOS EFETIVAMENTE ANALISADOS. 4. IRRESIGNAÇÃO COM O MÉRITO. NÃO CABIMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 5. AFRONTA AO ART. 69, I, V E VI, DO CPP. ALEGADA CONEXÃO COM A OPERAÇÃO LAVA-JATO. NÃO RECONHECIMENTO NA ORIGEM. REVERSÃO QUE DEMANDARIA REEXAME FÁTICO. ÓBICE DO ENUNCIADO N. 7/STJ. 6. EVENTUAL NÃO OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE CONEXÃO. NULIDADE RELATIVA. SÚMULA 706/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REUNIÃO DE PROCESSOS APÓS A SENTENÇA. SÚMULA 235/STJ. 7. VIOLAÇÃO DO ART. 514 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DE CRIME FUNCIONAL. 8. AFRONTA AOS ARTS. 41 E 384 DO CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. ADEQUAÇÃO TÍPICA. OBSERVÂNCIA AOS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA. 9. OFENSA AO ART. 59 DO CP. CONDUTA SOCIAL E CONSEQUÊNCIAS. VALORAÇÃO IDÔNEA. 10. “PERSONALIDADE DISTORCIDA”. MOTIVAÇÃO INADEQUADA E VAGA. CIRCUNSTÂNCIA DECOTADA. 11. AGRAVANTE DO ART. 62, I, 1ª PARTE, CP. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. MATÉRIA PRECLUSA. 12. OFENSA AOS ARTS. 33 E 44 DO CP. NÃO VERIFICAÇÃO. REGIME SEMIABERTO E NEGATIVA DE SUBSTITUIÇÃO. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. 13. VIOLAÇÃO DO ART. 99 DA LEI N. 8.666/1993. NÃO VERIFICAÇÃO. MULTA FIXADA EM 2% DO VALOR DO CONTRATO. EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL. 14. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não há óbice ao julgamento monocrático do recurso especial, conforme autoriza o RISTJ, bem como o art. 932 do CPC. Ademais, é possível interpretação extensiva do Regimento Interno para monocraticamente dar ou negar provimento a recurso contra decisão contrária ou em consonância com jurisprudência dominante. 2. “A decisão monocrática proferida por Relator não afronta o princípio da colegialidade e tampouco configura cerceamento de defesa, ainda que não viabilizada a sustentação oral das teses apresentadas, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão, como ocorre na espécie, permite que a matéria seja apreciada pela Turma, o que afasta absolutamente o vício suscitado pelo agravante” (AgRg no HC 485.393/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 28/3/2019). 3. Para que haja violação ao art. 619 do CPP, é necessário demonstrar que o acórdão embargado efetivamente padece de um dos vícios listados – ambiguidade, obscuridade, contradição e omissão -, e que o Tribunal de origem, embora instado a se manifestar manteve o vício. Diferentemente do que alega o recorrente, a Corte a quo examinou em detalhe todos os argumentos defensivos, apresentando fundamentos suficientes e claros para refutar todas as alegações deduzidas. 4. Resolvida a questão com fundamentação satisfatória, acaso a parte não se conforme com as razões declinadas ou considere a existência de algum equívoco ou erro de julgamento, não são os embargos, que possuem função processual limitada, a via própria para impugnar o julgado ou rediscutir a causa. Nesse contexto, é possível aferir, de forma manifesta, que a irresignação do recorrente diz respeito, em verdade, ao mérito da condenação, porquanto não foram acolhidas as teses defensivas, o que não revela violação do art. 619 do CPP. 5. As instâncias ordinárias consignaram, com base nos elementos fáticos e probatórios dos autos, que a presente hipótese não revelava conexão com os processos da Lava-Jato que tramitam na Justiça Federal, motivo pelo qual seu trâmite foi mantido na Justiça Estadual. Nesse contexto, desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, a respeito da ausência de conexão da hipótese dos autos com os processos da Lava-Jato, demandaria indevido revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que não se admite na via eleita, nos termos do enunciado n. 7/STJ. 6. Não se pode descurar, ademais, que o verbete n. 706/STF, consigna que “é relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção” e que, conforme dispõe o enunciado n. 235/STJ, “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”. Nessa linha de intelecção, já tendo sido confirmada a condenação proferida nos presentes autos, não há mais se falar em eventual reunião dos processos. 7. Conforme jurisprudência assente do STJ, “o procedimento especial previsto no art. 514 do Código de Processo Penal – CPP somente é aplicável para delitos praticados por servidor público contra a Administração Pública, elencados nos artigos 312 a 326 do Código Penal – CP”. (AgRg no AREsp 961.430/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 14/12/2018). 8. No que concerne à alegada ofensa aos arts. 41 e 384 do CPP, constatou-se que as instâncias ordinárias apenas realizaram a adequação típica em observância aos fatos efetivamente narrados na inicial acusatória. De fato, a imputação se refere à atuação do recorrente para tornar viável a modificação de ato convocatório de licitação, que possibilitou a concessão de vantagens financeira indevidas, conduta que melhor se subsome ao revogado art. 90 da Lei n. 8.666/1993, atual art. 337-F do CP. 9. A pena-base do recorrente foi fixada acima do mínimo legal, com fundamento na conduta social negativa, em virtude do alto grau de instrução e da condição financeira; e nas consequências do crime, uma vez que “houve desembolso pela Petrobras de cerca de US$ 220, 000,000.00 até julho de 2012, dos quais cerca de US$ 162,000,000.00 se referiam a gastos com mobilização e supervisão)”. Constata-se, portanto, que referidas circunstâncias judiciais foram concretamente valoradas, com fundamento em elementos que demonstram a efetiva maior reprovabilidade da conduta. 10. No que diz respeito à valoração negativa da personalidade do recorrente, ao argumento de se tratar de “personalidade distorcida, voltada à prática, em tese, de crimes”, constato se tratar de motivação inidônea e vaga que não autoriza o incremento da pena-base. Dessa forma, mister se faz o decote da circunstância judicial da personalidade. 11. Quanto à irresignação do agravante com relação ao reconhecimento da circunstância agravante prevista no art. 62, inciso I, 1ª parte, do CP, por considerar que o Magistrado de origem se utilizou de “vaga e genérica argumentação”, constato que se trata de indevida inovação recursal, motivo pelo qual não é possível conhecer do agravo regimental no ponto, porquanto preclusa a matéria diante da ausência de impugnação no momento oportuno. 12. Revelando-se correta a valoração de duas circunstâncias judiciais, constato que a fixação do regime semiaberto e a negativa de substituição da pena encontram-se devidamente fundamentadas. De fato, o Magistrado consignou que a conduta social reprovável do réu não indica que a substituição seja suficiente, nos termos do art. 44, III, do CP, e que, “tendo em vista que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao réu”, fixa-se o regime semiaberto, em observância ao art. 33, § 3º, do CP. Nesse contexto, não há se falar em ofensa à legislação. 13. No que diz respeito à suscitada ofensa ao art. 99 da Lei n. 8.666/1993, ao argumento de que é incabível a multa fixada, verifico que o Juízo de 1º grau fixou referida multa, em observância ao § 1º do dispositivo legal considerado violado. Ademais, o entendimento no sentido de que referido dispositivo se aplica apenas ao crime do art. 89 da Lei de Licitações vai de encontro à própria disposição legislativa, uma vez que o parágrafo deve ser lido em conjunto com o caput, o qual faz referência expressa aos arts. 89 a 98 da Lei. Relevante anotar que a nova redação da referida norma, constante agora do art. 337-P do Código Penal não deixa qualquer dúvida semântica. 14. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1861328/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe 29/11/2021)

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