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Necessidade de representação em estelionato deve ser aplicada aos processos em andamento?

Necessidade de representação em estelionato deve ser aplicada aos processos em andamento?

A ação penal é pública, salvo quando a lei a estabelece como condicionada à representação ou privativa do ofendido. Isso significa dizer que, em regra, o Ministério Público poderá atuar, independentemente da manifestação ou requerimento da vítima.

Dito isso, importa mencionar que até a edição da Lei 13.964, conhecida como a “Lei Anticrime”, a ação penal do crime de estelionato era incondicionada. Ou seja, ocorrido o crime de estelionato, poder-se-ia, de ofício, iniciar investigação criminal e ação penal.

Entretanto, após a entrada em vigor da referida lei, exige-se representação da vítima para que se inicie o procedimento investigativo e o processo penal. Isto é, passou a ser ação condicionada à representação (nesse sentido, o §5º do art. 171 do Código Penal).

O tema é objeto de discussão fervorosa, visto que se questiona se a inovação legal, que exige representação, aplica-se somente aos novos processos iniciados após a edição da lei ou se também é aplicável aos processos em andamento e, consequentemente, com denúncias oferecidas.

Necessário dizer que o art. 2º do Código de Processo Penal estabelece que “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Por sua vez, o art. 5º, XL, da Constituição Federal (CF),  estabelece que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

Assim sendo, parte da doutrina, como o entendimento do Professor Rogério Sanches Cunha (2020), entende que, nos processos em que já oferecida a denúncia, não se faz necessária a representação da vítima, tendo em vista tratar-se de ato jurídico perfeito, praticado nos moldes da lei até então vigente.

De outro lado, Aury Lopes Junior (2020) entende tratar-se de norma processual mista, isto é, de natureza penal e processual, sendo que, por ser mais benéfica ao réu, deve ser aplicada de forma retroativa. Defende que, nos processos em curso, deve a vítima ser intimada para que se manifeste sobre o interesse em representar. Em não havendo representação, extingui-se o feito em face da decadência, nos termos do art. 107, IV, do CP.

Apresentadas brevemente as duas correntes doutrinárias, tem-se que há divergência também no âmbito jurisprudencial.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando do julgamento do Habeas Corpus (HC) nº 573.093, firmou entendimento no sentido de que a exigência de representação trazida pela nova lei não afeta os processos em curso.

Portanto, segundo esse entendimento, em face de a nova lei ter silenciado sobre a aplicação da exigência de representação aos processos em andamento, bem como pelo ato jurídico (oferecimento da denúncia) ser perfeito e acabado, a nova exigência não alcança os processos nos quais a exordial acusatória já fora oferecida.

Em outro sentido, a Sexta Turma do mesmo Tribunal (STJ), no julgamento do HC nº 583.837, firmou entendimento pela retroatividade da nova lei.

Percebe-se que, de acordo com o último entendimento, aplica-se de forma retroativa a inovação legal, tendo em vista que “considerar o recebimento da denúncia como ato jurídico perfeito inverteria a natureza dos direitos fundamentais, visto que equivaleria a permitir que o Estado invocasse uma garantia fundamental frente a um cidadão”.

Portanto, tem-se que o tema ainda será objeto de extenso debate doutrinário e jurisprudencial, não havendo consenso sobre a questão. Não obstante, considera-se mais adequada a segunda corrente exposta, tendo em vista que a Constituição Federal estabelece que a lei penal, se mais benéfica, retroage.

Assim, por ser mais benéfica a inovação legislativa, deve haver, nos processos em que já oferecida a denúncia,  intimação do ofendido para que se manifeste sobre o interesse em representar. Em se manifestando de forma positiva, o processo terá andamento regular. Em silenciando ou manifestando-se de forma negativa, haverá a extinção da punibilidade do acusado.

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Jeferson Freitas Luz

Estudante de Direito da Faculdade Dom Alberto (RS)

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