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O cliente que mente para o advogado não merece seu patrocínio!

Por Jean de Menezes Severo

Mais uma coluna no ar. Semana cheia: júri, audiências, palestra na OAB/RS. No entanto, não posso esquecer meus leitores, que me acompanham semanalmente aqui no Canal Ciências Criminais. Pois bem, atendendo a pedidos, na coluna de hoje vamos tratar de flagrante delito, ou melhor, de como, na posição de defensor, realizar um flagrante eficiente, que possa ser bem utilizado quando da instrução processual.

A primeira vez que ouvi falar em flagrante delito foi nas músicas do saudoso Bezerra da Silva: “Não tem flagrante, porque a fumaça já subiu pra cuca”, ou “já era, amizade, quem apertou queimou, já está feito, se não tiver a prova do flagrante, os autos do inquérito ficam sem efeito. Se quiser me levar, eu vou neste flagrante forjado, eu vou”. De tanto ouvir Bezerra da Silva e Racionais do Mc, tornei-me criminalista. Mas, deixando de lado meus gostos musicais, vamos ao flagrante!

Preocupa-me quando escuto de alguns colegas que os atos produzidos junto ao inquérito policial não possuem tanta importância, que não são provas, afinal de contas o art. 155 do CPP dispõe que o magistrado não pode condenar um réu apenas com base no inquérito policial. Não sabem de nada, inocentes…

É possível retirar dos autos do processo as peças do inquérito policial? É claro que não, meu jovem. E será que aquela prova produzida na fase policial não possui capacidade de interferir no julgamento do magistrado? Sim, o juiz vai analisar a prova colhida na delegacia e vai descer a lenha no acusado, mesmo que só possua estes elementos, se ele assim achar melhor; portanto, cara pálida, aprenda a laborar na fase policial, futuro processo penal em que você, advogado criminalista, vai trabalhar.

Teu cliente foi preso, um familiar, pai, mãe, irmão ou amigo te ligam desesperados dizendo: “Doutor, o Fulano foi preso, vem pra cá”! E lá vai você, advogado combativo, no meio da madrugada, acompanhar aquele fatídico acontecimento. Velho, você é ADVOGADO, ingressa na DP, pisando forte e com o sorriso no rosto, saiba que você vai entrar em uma zona de conflitos, ninguém te quer ali dentro, irmão – tirando, é óbvio, teu cliente, que o espera com o coração na mão.

Peça de pronto para falar com o acusado e descubra, primeiramente, com ele o que realmente aconteceu. E já vai avisando o índio velho: “quero a verdade, mano, meias verdades só vão te prejudicar agora e depois, no processo. E outra, cliente que mente para o advogado não merece seu patrocínio”.

Após esta primeira conversa com seu cliente, descubra com os policias que realizaram a prisão o que ocorreu, a partir daí é contigo, doutor. Certamente o escrivão vai te perguntar: “e aí, anel, teu cliente vai falar?” Sim, teu cliente vai falar. Não esqueça de que aquele que sofreu uma injusta acusação estará ansioso para se defender. Já escutei uma vez de um Desembargador: “Chegou-me um HC no plantão, tráfico, pouca coisa, mas o acusado não falou, mesmo acompanhado de advogado. Como é que vou conceder a ordem?

Tese DEFENSIVA todo o processo criminal tem. Pode ser tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, homicídio. Para se conseguir uma absolvição ao final do processo, é necessário que haja tese defensiva. E por que não, já na delegacia, apresentar sua tese defensiva, velho? Você estudou cinco anos, prestou prova da OAB, bota esta cabeça pra funcionar, conversa com teu cliente e fornece a tua versão do fato, acompanhado da tese defensiva.

Já vou te avisando, não vão gostar de ver teu cliente produzir uma nova versão dos acontecimentos. Somando-se a isso, o tempo do flagrante vai aumentar, e nossos amigos policias vão ficar furiosos, pois outros dez flagrantes se acumulam, e teu cliente resolveu falar. Mas não tem jeito, amigão, se quer pleitear uma absolvição ao fim do processo penal, é importante que o indiciado fale e responda a todos os questionamentos da autoridade policial.

Vou deixar bem claro que, em algumas delegacias, o advogado é melhor tratado e não enfrenta tanta resistência por parte da polícia; todavia, em 90% dos casos em que realizei flagrantes, tive alguns problemas. Uma vez me disse um bondoso policial, em uma delegacia: “Doutor, Direitos humanos é o porrete que eu guardo aqui no armário. Na ‘nossa’ DP, vagabundo não tem vez”! Isso que ele não tinha nem ouvido o acusado ainda.

Acusado preso com drogas. Por que ele não pode ser um usuário, e não um traficante? Homicídio: por que o acusado não poderia estar amparado por uma legitima defesa? Não é nada do outro mundo o acusado fornecer sua versão, e esta ser a realidade completa dos fatos.

Ao final do inquérito, peça uma cópia deste. Alguns delegados fornecem sem problemas. Ocorre é que, às vezes, o delegado é visita na delegacia, e aquele policial veterano ocupa o cargo de delegado por “tempo de serviço”. Acredite, não raro, ele vai tentar atrapalhar o teu trabalho de todas as formas. Ele acha que está acima do bem e do mal, utilizando a CF como calço de mesa quebrada. Não podemos deixar de registrar que o Estado não fornece as melhores condições de trabalho aos policias; no entanto isso não autoriza o destrato para com o advogado e seu cliente. A Constituição Federal não garante Direitos somente ao homem virtuoso: todos nós estamos amparados pela Carta Constitucional, inclusive aqueles que contrariaram teoricamente a lei penal. O opressor de ontem é o oprimido de hoje, frente ao Estado que pode de um tudo contra aquele que é acusado, justa ou injustamente.

Não faça promessas de uma soltura breve ao acusado, ou aos seus familiares, advogado honesto não vende ilusões para aqueles que estão desesperados, sua única promessa será de um pedido de liberdade bem feito, fundamentado e célere. Trate a família com respeito. Uma dica valiosa: combine de tratar com apenas um familiar; senão, mano, a família inteira vai te ligar, e você terá que dar as mesmas informações uma centena de vezes!

Cobre um valor justo por este acompanhamento, flagrante geralmente demora, é cansativo, ainda mais quando tem mais de um acusado. Valoriza teu trabalho, até mesmo porque você não sabe se vai atuar no processo, ficando a encargo do acusado e de sua família esta decisão.

Flagrante é isso. Se me lembrar de algo relevante sobre o acompanhamento em delegacia, nas próximas colunas, escrevo um pouco mais. Um abraço a todos!

JeanSevero

Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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