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Prisão preventiva de ofício?

É possível que uma prisão preventiva seja decretada de ofício pelo juiz?

Antes de mais nada é preciso dizer que sim, é possível a decretação de uma prisão preventiva pelo juiz sem que ninguém requeira, desde que presentes os requisitos necessários para tanto (artigos 311 e seguintes do Código de Processo Penal).

Nesse ponto, necessário destacar que somente um juiz pode determinar a prisão de uma pessoa, com exceção da prisão em flagrante, que pode ser realizada por qualquer um do povo, sem uma ordem judicial.

O questionamento, portanto, é sobre a possibilidade dessa prisão, medida tão drástica e excepcional, ser decretada pelo juiz sem que ninguém requeira, tendo em vista que a atuação do juiz, em tese, deve ser provocada pelas partes.

Para responder essa indagação basta uma simples análise de dois artigos do Código de Processo Penal, o 282, § 4º, e o 311, segundo os quais:

Art. 282. (...) § 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

No primeiro artigo, a prisão preventiva poderá ser decretada pelo juiz, mesmo que ninguém peça, quando as medidas cautelares diversas da prisão forem descumpridas e a substituição ou cumulação dessas medidas não for suficiente.

Perceba que o texto legal fala “em último caso”, ou seja, não é a primeira opção, mas a última.

Apenas por curiosidade, o CPP traz em seu artigo 319 as seguintes medidas cautelares:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.

Já a interpretação que se faz do segundo artigo é no sentido de que a prisão preventiva também poderá ser decretada de ofício pelo juiz quando no curso da ação penal.

Extrai-se, anda que, caso ainda esteja na fase da investigação policial, o juiz somente poderá decretar a prisão a requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente ou da Autoridade Policial, com exceção do que visto no artigo 282, § 4º, quanto a possibilidade da prisão de ofício em se tratando de descumprimento de medidas cautelares.

NUCCI, em seu CPP comentado, ao tratar sobre o tema da decretação da prisão preventiva de ofício, é claro ao afirmar que o artigo 311 do CPP é uma demonstração de que o magistrado se afasta da sua total imparcialidade, visto termos um sistema de processo misto, ou inquisitivo garantista, possibilitando a decretação da prisão de ofício, exceto no curso da investigação policial:

É mais uma mostra de que o juiz, no processo penal brasileiro, afasta-se de sua posição de absoluta imparcialidade, invadindo seara alheia, que é a do órgão acusatório, decretando medida cautelar de segregação sem que qualquer das partes, envolvidas no processo, tenha solicitado.

Insistimos, pois, ser o nosso sistema de processo misto, ou, como bem definiu Tornaghi, inquisitivo garantista. Contra a decisão judicial, decretando a preventiva, cabe a impetração de habeas corpus. A única modificação introduzida pela Lei 12.403/2011 é vedar a decretação da preventiva, de ofício, durante a investigação.

Há quem questione a possibilidade de o juiz, de ofício, “converter” a prisão em flagrante em prisão preventiva, justamente sob o argumento de que essa não é uma hipótese que se enquadra nas autorizações legais.

Todavia, essa decisão encontra amparo no artigo 310, inciso II, do CPP, segundo o qual, não se tratando de uma prisão ilegal passível de relaxamento e não sendo cabível a liberdade provisória:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
(...) II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;

Por mais que não esteja expressa a possibilidade da “conversão” de ofício, o entendimento que vem sendo seguido pela jurisprudência é no sentido de que essa decisão nada mais é do que o cumprimento do texto legal, tanto que fez a ressalva da necessidade de “se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão”, senão vejamos o que já decidiu o STJ:

O Juízo processante, ao receber o auto de prisão em flagrante, verificando sua legalidade e inviabilidade de sua substituição por medida diversa, deverá convertê-la em preventiva, quando reconhecer a existência dos requisitos preconizados nos arts. 312 e 313, do CPP, independente de representação ou requerimento. (Processo: RHC 41235 MG 2013/0331410-2; Orgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA; Publicação: DJe 14/11/2013; Julgamento: 7 de Novembro de 2013; Relator: Ministro MOURA RIBEIRO)
1. Não se verifica a alegada ilegalidade da prisão preventiva, por ter sido declarada de ofício pelo Juízo Processante, porquanto se trata de simples conversão do flagrante em preventiva, sob os ditames dos arts 310, inciso II e 311 do Código de Processo Penal. Quanto a possibilidade de o Juiz decretar a prisão preventiva de ofício, o entendimento desta Corte já está sedimentado no sentido de inexistir qualquer ilegalidade. Precedentes. […]. (STJ – RHC: 42304 MG 2013/0370174-9, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/12/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014)

Depreende-se, então, que a regra estabelecida no CPP é no sentido de que a prisão só poderá ser decretada de ofício quando se tratar de descumprimento de medida cautelar; ou no curso da ação penal; necessitando de requerimento durante a investigação policial, o que é relativizado pela jurisprudência.

Por fim, deve ficar a crítica realizada por parte da doutrina quanto aos amplos poderes mantidos aos juízes ao possibilitar a decretação de prisão preventiva de ofício, pois a inércia do Judiciário não condiz com tamanha liberdade de ação.

Como o juiz deve agir apenas quando acionado, decretar uma prisão preventiva sem que ninguém requeira é se afastar totalmente da sua inércia e muitas vezes de sua imparcialidade.

Um grande abraço e até a próxima semana!

Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

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