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A resposta à acusação e o prévio acesso aos elementos que deram suporte à denúncia

A resposta à acusação e o prévio acesso aos elementos que deram suporte à denúncia

Situação que sinaliza o grau de civilidade democrática de um sistema judicial é extraída da seguinte circunstância: quando o cidadão que se vê formalmente acusado de um delito, ao ser citado (ou notificado, conforme o caso), constitui advogado para o exercício de sua defesa, qual é o grau de dificuldade para o acesso a todos os elementos informativos produzidos na fase investigatória?

De tão óbvia que é a questão e sua evidente (in)conformidade com a Constituição Federal, que já não mais era para ser situação que se verificasse no cotidiano forense. E – infelizmente – é algo bem mais comum do que se imagina.

Com o cliente citado (ou notificado) e o prazo para resposta à acusação (ou defesa prévia ou preliminar) já em curso, não raro, o advogado passa a enfrentar uma via crúcis, quando, na apuração inquisitorial, foram adotadas medidas investigatórias autuadas em apartado, geralmente invasivas de direito fundamental, tais como busca e apreensão, interceptação e quebra de sigilo telefônico, afastamento de sigilo fiscal ou bancário e outras semelhantes.

Via de regra, o advogado terá franqueado acesso apenas aos autos do procedimento investigatório principal (inquérito policial ou procedimento investigatório criminal), passando a encontrar séria barreira para ter em mãos os autos dos demais procedimentos apuratórios. E enquanto isso, o prazo para apresentação da manifestação defensiva, está em andamento.

E não se está a pretender acesso a elementos pertinentes com diligências investigatórias ainda em andamento, mas, sim, a procedimentos apuratórios já concluídos.

Desnecessário dizer que o Ministério Público, para formalizar a denúncia, teve possibilidade de acesso à integralidade dos procedimentos investigatórios.

Seria até despiciendo dizer que a Constituição Federal, no art. 5°, LV, assegura aos acusados em geral, como cláusula de direito fundamental, o contraditório e a amplitude defensiva.

De ver-se que o art. 396-A, caput, do CPP, prevê que o acusado, na resposta, poderá suscitar preliminares e alegar tudo quanto interesse à sua defesa, semelhante ao que dispõe o art. 406, § 3°, do mesmo diploma legal, pertinente ao rito dos processos de competência do Júri. No mesmo sentido, o art. 55, § 1°, da Lei n° 11.343/06, sem falar nas previsões da Lei n° 8.906/94.

E o Pacto de São José da Costa Rica assegura ao acusado o direito de ser previamente cientificado, de forma pormenorizadamente, da acusação contra si articulada (art. 8°, 2, b), o que pressupõe a possibilidade de acesso a todo substrato informativo que serviu de suporte à formação da opinio delicti.

Veja-se que até mesmo a Súmula Vinculante 14 do STF (é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa) é solenemente ignorada.

Como esgrimir preliminares e invocar todas as razões possíveis, se parte do material investigatório é mantido em sigilo?

Como preparar uma defesa às cegas, no escuro?

O que fazer em uma circunstância dessas?

Há a possibilidade de se utilizar da reclamação constitucional (arts. 103-A, § 3°, da CF; e 7°, caput, da Lei n° 11.417/06), com pedido de concessão de medida liminar.

O ataque colateral à ilegalidade também poderá ser objeto de habeas corpus, porquanto, indiscutivelmente, há um risco reflexo de coação ilegal à liberdade do acusado.

Em ambas as hipóteses, reclamação ou habeas corpus, interessante será pedir liminarmente a suspensão do curso do processo, com restituição do prazo para resposta à acusação ou defesa prévia.

O Professor Alberto Zacharias TORON (Habeas Corpus, 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 57), em obra especializada, pontifica, sobre o cabimento do manejo do writ:

Sem embargo, para os fins deste trabalho, importa registrar que a Suprema Corte sublinhou ser perfeitamente possível manejar-se o habeas corpus para se discutir a questão da vista dos autos, pois o ‘cerceamento da atuação permitida à defesa do indicado no inquérito policial poderá refletir-se em prejuízo de sua defesa no processo e, em tese, redundar em condenação a uma pena privativa de liberdade ou na manutenção desta” (HC 82.354). Ou seja, tudo aquilo que atina com o direito de defesa – ainda que à primeira vista apenas ligado ao tema da ‘vista dos autos’ e, portanto, fora do campo imediato da liberdade de locomoção – pode ser ventilado por meio do habeas corpus (grifou-se).

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, relatada pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, produziu interessante precedente:

Na verdade, as fontes e o resultado da prova são de interesse comum de ambas as partes e do juiz (princípio da comunhão da prova). A prova não se forma para a satisfação dos interesses de uma das partes, sobretudo daquela que acusa. Se esta obtém, via mandado judicial, uma diversidade de documentos e materiais supostamente contrários ao interesse do acusado, não lhe é lícito o comportamento de privar este último do acesso a todo esse material, até para que se certifique de que nada há nele que possa auxiliar sua defesa (STJ, 6ª Turma, RHC 114.683/RJ, julgado em 13.04.2021).

Evidentemente, se o acesso ainda seguir bloqueado, e inevitável for a apresentação da resposta defensiva, certeira deverá ser a preliminar de cerceamento de defesa, para que o tema seja objeto de debate desde o início.

É absolutamente incrível que, com mais de 30 anos de vigência da Constituição cidadã, ainda estejamos às voltas com o fetiche do segredo, e logo sigilo para quem tem de conhecer a inteireza do substrato da acusação, para poder se defender adequada e efetivamente.


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Rodrigo de Oliveira Vieira

Advogado criminalista. Ex-Promotor de Justiça.

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