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Captação ambiental foi regulamentada pela denominada “Lei Anticrime”

Captação ambiental foi regulamentada pela denominada “Lei Anticrime

A Lei 9.034/95, primeiro diploma normativo a tratar das organizações criminosas, pecava em diversos fatores. Primeiro por não ter tipificado o crime de participação em organização criminosa e, sobretudo, por não ter estabelecido o conceito legal de organização criminosa, o que, de acordo com parte da doutrina, implicava na perda de eficácia dos seus dispositivos.

Muito embora a Lei 9.034/95 tenha trazido em seu bojo diversos instrumentos de combate ao crime organizado, como a infiltração de agentes, a ação controlada etc., ela não regulamentou essas técnicas de investigação criminal. A Lei 12.850/13, por outro lado, foi bem mais feliz nesse ponto, detalhando os procedimentos de colaboração premiada, de ação controlada e de infiltração de agentes.

Ocorre que em relação a interceptação ambiental, seja de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, a nova Lei das Organizações Criminosas foi silente. Concluía-se, assim, que estávamos diante de um meio de obtenção de prova atípico, vez que seu procedimento não foi detalhado pela referida lei. 

Justamente por isso, a doutrina sustentava que se deveria aplicar, analogicamente, as regras da Lei 9.296/96, que trata das interceptações telefônicas. Nas lições de LIMA:

A Lei 12.850/13 autoriza expressamente, portanto, a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. A expressão captar deve ser compreendida como o ato de tomar conhecimento do conteúdo de comunicação alheia. É da essência da captação a participação de um terceiro, que passa a ter ciência do conteúdo de uma comunicação entre duas ou mais pessoas, geralmente sem o conhecimento dos interlocutores. Essa captação pode ser feita por meio de escutas, microfones, câmeras ocultas, monitoramento à distância, por satélite, antenas direcionais e outras tantas tecnologias hoje existentes para esse fim.

Feitas essas observações, é mister consignar que esse cenário foi completamente alterado pela Lei 13.964/19 (“Lei Anticrime”), que acrescentou à Lei 9.296/96, que trata das interceptações telefônicas, o artigo 8º-A, regulamentando, assim, a captação ambiental. 

Como se percebe, trata-se de importante ferramenta de investigação criminal que, não raro, complementa o procedimento de interceptação telefônica, afinal, é cediço que muitos criminosos não se comunicam pelo telefone justamente para evitar a captação desse conteúdo. Assim, através desse recurso o Estado-Investigação pode captar diálogos travados em local específico (sinais acústicos), conciliando com a captação de imagens dos investigados (sinais óticos), podendo, ainda, registrar sinais emitidos por meio de aparelhos de comunicação (sinais eletromagnéticos), que, vale dizer, não se enquadram no conceito de comunicação telefônica, informática ou telemática.

Nos termos do novo artigo 8º-A, da Lei 9.296/96, a captação de sinais acústicos, óticos e eletromagnéticos poderá ser autorizada pelo juiz, para fins de investigação ou instrução criminal, a requerimento a autoridade policial ou do Ministério Público, quando: a-) a prova não puder ser feita por outros meios de obtenção de prova disponíveis e igualmente eficazes; e b-) houver elementos probatórios razoáveis de autoria ou participação em infrações criminais cujas penais máximas sejam superiores a 04 anos ou infrações penais conexas. 

Primeiramente, chamamos a atenção para a falta de técnica do legislador no momento da formatação do texto. Isto, pois, como é cediço, o termo adequado para as ocasiões em que o delegado de polícia provoca o Poder Judiciário diante de medidas sujeitas à reserva de jurisdição é “representação” e não “requerimento”. Quem “requer” são as partes no processo (MP e defesa), cabendo ao delegado de polícia representar ao juízo competente pela medida necessária e adequada para subsidiar a investigação.

Por outro lado, andou bem o legislador ao não admitir que o juiz decrete a captação ambiental de ofício. Parece-nos que, aos poucos, o Poder Legislativo vem aprendendo a respeitar o sistema acusatório, adotado pela Constituição da República. Com efeito, somente poderão provocar esse meio de obtenção de prova o delegado de polícia e o Ministério Público. 

Analisada a legitimidade para provocar a captação ambiental, passemos à análise de seus requisitos legais, que, vale dizer, se assemelham aos exigidos para o decreto de interceptações telefônicas. Prevê o dispositivo em questão que a captação ambiental é uma técnica de investigação marcada pelo seu caráter subsidiário, ou seja, ela só poderá ser autorizada quando não houver outros meios de obtenção de prova disponíveis.

Nota-se, contudo, que no novo texto legal o legislador foi claramente influenciado pela jurisprudência, colocando um ponto final em uma questão que gerava certa dúvida nas autorizações judiciais para a execução de interceptações telefônicas. Isso porque esse caráter subsidiário de determinadas técnicas investigativas não significa que a medida só possa ser autorizada após o exaurimento de todos os meios de obtenção de prova disponíveis. 

Como bem apreendido por MASSON e MARÇAL,

o princípio da subsidiariedade contemplado pelo art.2º, II, da Lei 9.296/1996 não exige sempre a produção prévia de outros meios de prova como requisito para a decretação da interceptação telefônica.

No mesmo sentido arremata a jurisprudência:

O dispositivo refere-se à inexistência de outros meios de prova, evidentemente, de outros meios eficazes de produção de prova sobre os fatos investigados no caso concreto. (Apelação 2005.51.01.5157140/RJ, 1ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, e-DJF2R 06.05.2014).

Sob tais premissas, o legislador não deu margem para dúvidas, estabelecendo expressamente que a captação ambiental só será admitida quando “a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes” (grifamos). Desse modo, em algumas situações pode até haver uma alternativa probatória, mas se o caso concreto demonstrar que esse meio seria improdutivo, vale dizer, ineficaz, a captação ambiental poderá ser adotada de imediato, inclusive por se tratar de uma tutela de urgência (“periculum in mora”) que visa a assegurar a produção da prova.

Em tais casos, visando questionar a legalidade da medida, caberá a defesa comprovar que havia outra técnica investigativa disponível e igualmente eficaz, conforme já sedimentado na jurisprudência nas hipóteses de interceptação telefônica (STJ, HC 148.413/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 01.09.2014. No mesmo sentido: STF, HC 113.597/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 19.08.2013).

Como segundo requisito para a implementação da captação ambiental o legislador exigiu a demonstração de elementos probatórios razoáveis de autoria ou participação em infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos ou em infrações penais conexas. 

Pode-se observar que nesse caso, diferentemente da interceptação telefônica – onde se admite a execução da medida apenas diante de crimes punidos com reclusão – o legislador optou por restringir a captação ambiental aos crimes com penas máximas superiores a quatro anos e outras infrações, independentemente da pena, se demonstrado o vínculo de conexão com aqueles. Dizendo de outra forma, é possível a captação ambiental diante de qualquer infração penal (crime ou contravenção), mas desde que haja uma conexão entre estas (as infrações com penas máximas de até quatro anos) e aquelas (infrações com penas superiores a quatro anos).

 Aqui, uma vez mais, houve influência da jurisprudência, que vem reconhecendo a licitude das provas obtidas através de interceptação telefônica quando envolver crime punido com detenção, mas conexo ao crime punido com reclusão que deu ensejo a diligência. Destaque-se, ademais, que, nos termos da nova lei, a captação ambiental exige a demonstração de “elementos probatórios razoáveis” de autoria ou participação nas infrações criminais indicadas. Isso significa que o requerimento das autoridades deve elencar um conjunto de fatores que denotam a existência de uma prática criminosa e ainda levar à conclusão de fortes ou veementes suspeitas contra o futuro sujeito passivo da medida.

O §1º, do artigo 8º-A, por sua vez, estabelece, ainda, que o requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público deverá descrever, circunstanciadamente, o local e a forma de instalação do dispositivo de captação. Nesse ponto se faz necessário um alerta! Isto, pois, ao que nos parece, esse novo regramento sobre a matéria só se aplica para as captações implementadas em ambientes privados, tais como residências, escritórios, empresas etc., observando-se, destarte, o direito à intimidade e, sobretudo, a inviolabilidade desses ambientes (art.5º, inciso XI, da CR). Por outro lado, em se tratando de local público (praças, parques, ruas etc.) ou de acesso ao público (bares, restaurantes etc.) nada disso se aplica, cabendo ao juiz apenas a análise sobre a licitude do meio de prova à luz do caso concreto.

Feita essa advertência, voltamos à análise do texto legal. Por obviedade, assim como na interceptação telefônica a linha alvo da medida deve ser indicada, na captação ambiental deve-se apontar o local específico objeto da investigação. Entendemos que a provocação do Judiciário precisa ser minuciosamente detalhada pela autoridade responsável pela investigação, não se limitando, por exemplo, ao endereço alvo da diligência, mas os cômodos em que serão instalados os aparelhos de captação.

De maneira ilustrativa, se a medida tem por objetivo a captação de comunicações entre presentes realizadas na residência do investigado, o pedido deverá especificar se os aparelhos serão instalados por toda casa ou apenas no escritório do alvo, por exemplo. Ou se a diligência for executada em uma empresa, o pedido deve indicar o local exato em que serão instalados os instrumentos de captação (ex: sala de reunião e gabinete do investigado). 

Além disso, o requerimento também deve apontar os meios que serão empregados na instalação dos equipamentos, podendo o juiz, inclusive, autorizar o ingresso de policiais no local alvo da medida em horários em que nenhuma pessoa esteja presente, justamente para viabilizar a operação. Por fim, o pedido também deve indicar quais as formas de captação que serão implementadas: acústica, ótica e eletromagnéticas. 

Em conclusão, a lei estabelece no seu artigo 8º-A, §3º, que a captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.

Nota-se que o dispositivo estabelece duas condições cumulativas e não alternativas. Com efeito, é preciso que se demonstre a imprescindibilidade da medida – com a manutenção dos requisitos que a justificaram – e, além disso, deve se tratar de infração penal permanente, habitual ou continuada. 

De resto, no que for omissa a nova regulamentação, aplicam-se as regras estabelecidas para o procedimento de interceptação telefônica, conforme estatui o §5º, do novo artigo 8º-A, acrescentado à Lei 9.296/96 pela Lei 13.964/19. 


REFERÊNCIAS

CABETTE, Eduardo. SANNINI, Francisco. Tratado de Legislação Especial Criminal. Salvador: Editora Juspodivm, 2018.

FAYET, Paulo. Da criminalidade organizada. Porto Alegre: Núria Fabris, 2012.

GOMES, Luiz Flávio; SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação – questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPodivm, 2015.

GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado: que se entende por isso depois da Lei nº 10.217/01? (Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, abr. 2002. Disponível aqui. Acesso em 30.10.2018. 

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicius. Crime Organizado. ed. 4. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. 

NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa – Comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. São Paulo: RT, 2013.


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Francisco S. Neto

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos. Delegado.

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