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STJ: é nula delação premiada feita por um advogado contra seu próprio cliente

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento, por unanimidade, ao Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial, para afirmar que é possível a anulação e a declaração de ineficácia probatória de acordos de colaboração premiada firmados em desrespeito às normas legais e constitucionais.

In casu, a Corte entendeu que o advogado que, sem justa causa, sem ter sido provocado e na vigência do mandato, gravou clandestinamente suas comunicações com seu cliente com objetivo de delatá-lo, entregando às autoridades investigativas documentos de que dispõe em razão da profissão, viola o dever de sigilo profissional imposto no art. 34, VII, da Lei n. 8.906/1994.

Os Ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Ministro Relator João Otávio de Noronha.

EMENTA:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR HABEAS CORPUS. EXCEPCIONALIDADE. LEI N. 12.850/2013. COLABORAÇÃO PREMIADA FEITA POR ADVOGADO. NATUREZA JURÍDICA DE MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO. VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL. ART. 34, VII, DA LEI N. 8.906/1994. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. NULIDADE DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. PRECEDENTES DO STF. RECURSO PROVIDO.

  1. O trancamento da ação penal por habeas corpus é medida excepcional, admissível quando comprovada a atipicidade da conduta, a incidência de causas de extinção da punibilidade ou a falta de provas de materialidade e indícios de autoria.
  2. Nos termos da Lei n. 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada é um meio de obtenção de provas, no qual o poder estatal compromete-se a conceder benefícios ao investigado/acusado sob condição de cooperar com a persecução penal, em especial, na colheita de provas contra os outros investigados/acusados.
  3. É possível a anulação e a declaração de ineficácia probatória de acordos de colaboração premiada firmados em desrespeito às normas legais e constitucionais.
  4. O dever de sigilo profissional imposto ao advogado e as prerrogativas profissionais a ele asseguradas não têm em vista assegurar privilégios pessoais, mas sim os direitos dos cidadãos e o sistema democrático.
  5. É ilícita a conduta do advogado que, sem justa causa, independentemente de provocação e na vigência de mandato, grava clandestinamente suas comunicações com seus clientes com objetivo de delatá-los, entregando às autoridades investigativas documentos de que dispõe em razão da profissão, em violação ao dever de sigilo profissional imposto no art. 34, VII, da Lei n. 8.906/1994.
  6. O sigilo profissional do advogado é premissa fundamental para exercício efetivo do direito de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente.
  7. O Poder Judiciário não deve reconhecer a validade de atos negociais firmados em desrespeito à lei e em ofensa ao princípio da boa-fé objetiva.
  8. A conduta do advogado que, sem justa causa e em má-fé, delata seu cliente, ocasiona a desconfiança sistêmica na advocacia, cuja indispensabilidade para administração da justiça é reconhecida no art. 133 da Constituição Federal.
  9. Ausente material probatório residual suficiente para embasar a ação penal, não contaminado pela ilicitude, inafastável o acolhimento do pedido de trancamento da ação penal.
  10. Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal.
    (RHC n. 164.616/GO, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

RHC 164616 / GO

Priscila Gonzalez Cuozzo

Priscila Gonzalez Cuozzo é graduada em Direito pela PUC-Rio, especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC e em Psicologia pela Yadaim. Advogada e Consultora Jurídica atuante nas áreas de Direito Administrativo, Tributário e Cível Estratégico em âmbito nacional. Autora de artigo sobre Visual Law em obra coletiva publicada pela editora Revista dos Tribunais, é também membro do capítulo brasiliense do Legal Hackers, comunidade de inovação jurídica.

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