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Aplicação retroativa da novatio legis in pejus na execução penal

Aplicação retroativa da novatio legis in pejus na execução penal

Por Camila Mattos Simões e Naiane Valéria de Souza

O artigo 5°, inciso XI, da Constituição Federal dispôs que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Esta garantia constitucional trouxe segurança jurídica para as relações processuais já iniciadas antes da edição de norma mais gravosa, como consequência impede a aplicação da lei penal a casos que possam ocasionar evidente prejuízo ao indivíduo, em atenção ao princípio do “tempus regit actum”.

Cumpre informar que esses ensinamentos se estendem às normas de conteúdo híbrido ou misto, ou seja, que possuem conteúdo de direito material e processual. Em contrapartida, não há ocorrência quando assunto versar de matéria processual penal, pois neste caso sua aplicação é imediata, em consonância com o artigo 2° do Código de Processo Penal.

Diante de um caso concreto, o operador do direito deverá verificar o tempo do crime, em outras palavras, o “momento da ação ou omissão, ainda que outra seja o resultado” (artigo 4°, do Código Penal), pois a partir dessa constatação será possível identificar a lei penal vigente que conduzirá o processo, julgamento e execução da pena.

É indubitável a existência de uma celeuma quanto à aplicação da lei no tempo das normas penais, processuais e híbridas, ocasionando margem para interpretações diversas pelo julgador.

A título de exemplo, o Pacote Anticrime inovou o ordenamento jurídico ao impedir a concessão da benesse de saída temporária quando o reeducando cumprir pena por prática de crime hediondo com resultado morte, com fulcro no artigo 122, §2°, da Lei de Execução Penal. Contudo, por se tratar de “novatio legis in pejus” sua aplicabilidade está restrita aos crimes cometidos após sua vigência, ou seja, a partir de 23 de janeiro de 2020.

No entanto, o que observamos na prática são decisões judiciais contrárias as disposições da Carta Magna. Uma amostra desta controvérsia ocorreu recentemente na Vara de Execuções Penais de um dos municípios do Estado do Espírito Santo, uma vez que a magistrada entendeu que o benefício de saída temporária possui natureza exclusivamente processual penal e alcança os sentenciados que praticaram crime antes da vigência da norma legal revogou a benesse de 28 (vinte e oito) reeducandos que cumprem pena privativa de liberdade em regime semiaberto na Penitenciária Agrícola do Espírito Santo, em atenção ao dispositivo supramencionado.

Irresignada a “decisium” citada, a Defesa dos reeducandos buscou amparo jurisdicional no Tribunal de Justiça do Estado a fim de garantir o benefício de saída temporária. Ao analisar o pedido liminar em sede de Habeas Corpus, o Desembargador Relator Fernando Zardini Antônio deferiu o apelo defensivo para conceder a benesse outrora revogada, in verbis:

A execução penal, a depender do foco que lhe é dado, pode revelar normas de natureza penal, processual penal ou administrativa. No que se refere ao caso em questão, estamos diante de uma norma de natureza mista, uma vez que veicula matéria de direito penal e processual penal. Nessa ótica, a vedação da saída temporária para os condenados por crime hediondo com resultado morte foi acrescida à Lei de Execução Penal n° 13.964/19, Pacote Anticrime, e, em se tratando de norma penal nos aspectos referentes a benefícios do apenado, não pode retroagir, sob evidente violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (artigo 5°, inciso XL da CRBR). 

Ante esse entendimento, a magistrada que proferiu a decisão retro, apesar de discordar do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, revogou os efeitos da “decisium” para restabelecer a saída temporária dos 28 (vinte e oito) reeducandos.

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